Debate de compra de terras por estrangeiros é para encobrir falta da reforma agrária, aponta professor da USP
A
compra de terras por estrangeiros no Brasil é uma questão a ser
debatida com prioridade pela Comissão de Agricultura, Pecuária,
Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados. No último
mês, uma subcomissão foi criada para analisar e propor medidas
específicas a esse respeito.
Dados do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) – de janeiro deste ano –, apontam
que estrangeiros detêm 4,5 milhões de hectares de terras no Brasil –
isso equivale ao território do estado do Rio Grande do Norte. No ano de
2010, a área na posse de estrangeiros correspondia a 4,35 milhões de
hectares – o que significa um aumento de 3,44%.
Contudo, para o professor de Geografia
Agrária da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino, o
problema no campo brasileiro não está na posse de terras por pessoas
jurídicas ou físicas estrangeiras, mas sim, na ausência da reforma
agrária. Em entrevista à Radioagência NP, Umbelino
descreve como ocorreu a construção do discurso de problemática em torno
das terras brasileiras em mãos de estrangeiros. Ele também critica a
postura da esquerda política na abordagem da questão.
Radioagência NP: Como o senhor analisa a questão da compra de terras brasileiras por estrangeiros?
Ariovaldo Umbelino: É uma farsa essa questão de venda
de terra para estrangeiro. No meu artigo [Ariovaldo publicará em breve
um artigo científico sobre o tema] eu trato como tragédia e farsa.
Tragédia porque isso apareceu no Brasil [em 1968] quando se vendeu aos
estrangeiros quase 30 milhões de hectares no país. Deu um “forrobodó”,
os militares fizeram toda a legislação que está em vigor, que é de 1971,
derivada desse verdadeiro escândalo de venda de terra. Sabe quanto de
terra a lei de 1971 permite os estrangeiros comprarem do Brasil? 25% do
Brasil, mais de 200 milhões de hectares. E eles [os estrangeiros] têm
quatro milhões. Quer dizer, onde está o problema? Isso é uma coisa
manipulada, construída.
Radioagência NP: O senhor aponta
no artigo que a volta da discussão sobre venda de terras a estrangeiros
estaria no ano de 2008, tendo a ver com o ex-presidente do Incra, Rolf
Hackbart, e o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel.
Como se deu a volta desse debate na atualidade?
AU: Por que o assuntou
voltou hoje? Porque o seu Rolf Hackbart queria, junto com o Guilherme
Cassel, montar estratégias de não se discutir mais reforma agrária no
Brasil. Para o Incra não fazer mais reforma agrária. E aí, em 2008,
exatamente no ano em que fazem as duas medidas provisórias de entrega de
terras do Incra na Amazônia Legal para os grileiros – as medidas
provisórias 422 e 458. Exatamente depois de uma entrevista do João Pedro
[Stédile] ao Estadão. E da ocupação das fazendas da [indústria
de produção de papel] Stora Enso no Rio Grande do Sul, no Dia da
Mulher, em 2008. E a partir daí o Rolf solta essa notícia, põe esse
assunto em discussão: venda de terra estrangeira. Então não era um
problema, de repente virou um problema.
Radioagência NP: E o que acontece depois disso?
AU: Bem,
aí acontece que o Rolf solta essa notícia, divulga os dados de 4
milhões de hectares [pertencentes a estrangeiros no Brasil]. O jornal Estadão faz manchete. A Folha de S. Paulo faz
manchete também. Dá aquele alarde como se os estrangeiros fossem donos
do Brasil. Só que os grandes proprietários do Brasil, são brasileiros. E
ninguém escreve nada sobre isso, ninguém escreve mais nada sobre
questão agrária e sobre reforma agrária no Brasil. Parece que está tudo
bem, que é bom que não tenha reforma agrária mesmo.
Radioagência NP: Mas não existem empresas estrangeiras adquirindo terras no Brasil?
AU: As
empresas internacionais, os grupos internacionais não estão
interessados em terras, eles estão interessados no que se produz nas
terras do Brasil. Só em dois setores da economia os estrangeiros estão
comprando terras juntos, porque compraram as usinas de açúcar. As
usinas, em sua grande maioria plantam cana em terra própria. E o outro
setor é o setor de celulose.
Radioagência NP: Então, qual é o principal problema do campo brasileiro na visão do senhor?
AU: O
problema é não fazer a reforma agrária. O problema é entregar terra
grilada [para os grileiros], lá na Amazônia Legal, terra do Incra. E, no
entanto, todo mundo fica discutindo essa história da venda de terra
estrangeira. Tudo porque se acredita que essas empresas [estrangeiras]
são as donas das terras no Brasil. Isso não é verdade. Tem uma aliança
de classe [da burguesia estrangeira] com a burguesia brasileira. Elas
[as empresas internacionais] compram a produção, elas não produzem. Se
você pegar no setor de grãos, elas não produzem direto. E o número de
estrangeiros que estão no Brasil produzindo direto é insignificante
perto da quantidade dos brasileiros.
Radioagência NP: E a esquerda no Brasil, como se posiciona diante desse quadro?
AU: O
grande problema é que se usa uma teoria do imperialismo que já não
explica o nosso mundo. Lênin [teórico marxista russo] fez a teoria – no
fim do século XIX para o século XX – que é perfeita para entender o
mundo. Porque a conquista e a formação dos impérios eram feitas pela
ocupação territorial. Hoje não é mais pela ocupação territorial. Essa
coisa é que fica na cabeça de uma parte da esquerda, com essa visão. E
os jornais brasileiros é uma mídia completamente vendida, sabe que
publicando esses artigos [sobre aquisição estrangeira de terras no
Brasil], a esquerda fica toda ouriçada. Mas a esquerda não fica mais
ouriçada com concentração fundiária, não fica mais ouriçada com a falta
de reforma agrária, com o aumento do número de assassinatos no campo. É
um falso nacionalismo, porque não está nem aí, a economia brasileira
inteira já está internacionalizada, e com isso parece não ter problema.
De São Paulo, da Radioagência NP, Vivian Fernandes.
27/07/11
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