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"Harmonizo meus pensamentos para criar com a visão". "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível".

sábado, 27 de março de 2021

Inché, Marichweu

 

20 de março

Por Sebastião Pinheiro

A Machi (mapuche) esperou que Lisarb terminasse de lavar a louça do café da manhã, sentou-se à mesa de reunião, enxugou as mãos Estalando os dedos e disse: Há frutas nativas, muito apreciadas: Uvaia, Bacupari e Feijoa, seus sucos e kombucha estão identificadas. La Machi, surpreendida: - Uvaia é a única que não conheço, posso vê-la. Lisarb ofereceu-lhe uma. Ela, fascinada, observava e sentia a fruta: é tão suave como a cereja, mas mais perfumada que o Damasco e este amarelo é portentoso.

O Xamã Ashaninka, provocando Spooky: - Por  acaso você não tem um “Pequi (Caryocar brasiliense, fotos) roído”? O ancião quilombola (afrodescendentes cimarrones na selva abrigados por indígenas), da Ilha Saracura, perto de Santarém, abriu um sorriso e gritou: - Égua, estamos todos abandonados como os cabanos de Agelim, Vinagre e Malcher. La Machi não entendeu e Spooky traduziu: É o mesmo que o "Inché", mapudungun. Ela riu.

Lisarb, sereno, deu início a reunião: - Uvaia foi o suco amarelo que bebíamos; a esverdeada era a Feijoa e a nata era o Bacupari, e apontou para as arvorezinhas carregadas no quintal e complementou: Nas noites os morcegos fazem a festa. Acenou, e a Machi tocou o cultrún e cantou, não era um canto, era bem mais, era um Hino ou oração de abertura, invocação ao sagrado para uma boa reunião. Spooky com seu kristoff de ponta cônica (charuto indonésio de cheiro forte), cheirou-o passando por baixo do nariz, enquanto mordiscava preparando a ponta.

Senhora, senhores, agradeço a presença e os sacrifícios para superar a pandemia, mas esse encontro é essencial, pois se destampa o pote, e as leituras encobertas mostram resultados de genocídio e devemos ver o que é possível usar em energia para evitar a catástrofe que segue a arma como uma tempestade perfeita. Lisarb expirou tenso.

Spooky com o kristoff ainda não aceso, solicitou permissão: - Nada é casual e tudo está programado, com múltiplas etapas dentro de computadores de alta complexidade. Vivemos um cenário de Guerra Psicossocial, preparada não por Estados beligerantes, mas por grupos financeiros e empresas do Complexo Industrial Militar, apêndice de uma corporação mundial que secretamente controlam sociedades por meio dos governos desde as cruzadas. Eles aplicam seus programas camuflados como ideologia/religião, mas que não é ideologia, nem religião, mas disfarçam para desviar suas verdadeiras intenções, que serão notáveis ​​quando já forem irreversíveis. São mil anos de tensões ao máximo sob o controle da ciência e geração de tecnologias para tal. A versão atual é peculiar para o brasileiro de índole de buscador de ouro e diamantes, que não tem ligação com territórios, mas com o produto de seu trabalho.

Tolera tudo, porque em seu novo Xanadú terá o paraíso. O C.I.M usa da psicanálise dos Nazis, aplicadas nos Gulags de "reeducação" como instrumentos de dominação mental. Provocam reações drásticas, intimidatórias, que exigem reações e obtêm poder ou resposta de todos em qualquer nível analítico. O que continuam fazendo é o mesmo da ditadura de usar o dinheiro público para beneficiar corporações do Council on Foreign Relations na construção de infraestrutura para eles (foto). Antes eram pelo emprego, agora são pelos serviços. Isso não tem nada a ver com ideologia ou religião. É apenas corrupção e incompetência. 

A polarização está muito bem artificializada e os organizados são levados a aceitar que eles têm uma razão ideológica de raízes desumanas, identificada como fascista.

Podemos dar três exemplos: O primeiro em 1940, o dilema soviético em decodificar antecipadamente o significado da invasão russa, dois anos antes de "Stalingrado": submeter-se ou enfrentar a máquina de Hitler (A dissidência alemã do C.I.M.) ou ver todos os soviéticos derrotados serem transformados em bucha de canhão contra o C.I.M. "aliado" branco e cristão que também seriam derrotados. Para Stálin, não havia escolha. O resultado é isso, mas a história do vitorioso C.I.M não o registra assim, porém, a guerra para os russos tem o nome de “guerra patriótica”, e ninguém sabe ou pior, todos sabem e fingem ignorar. Vemos no “payazo” no picadeiro, mas ninguém sabe quem é o “mestre de cerimônias” nesse circo Brasil. Vemos seu nariz amarelo de um "pequi roído", mais do que lacaniano no real, simbólico e imaginário.

Não conseguimos compreender o significado da resposta de Stálin ao enviado de Pio XII a Moscou, ao dizer a Stálin que Sua Santidade estava preocupada com o futuro dos cristãos na Alemanha. A resposta pouco ortodoxa de Stálin foi recebida e propagada como grosseria militar por muitos militantes ignorantes do circo. "- E quantas divisões de infantaria, tanques, canhões e navios de guerra tem Vossa Santidade." Ele optou por sacrificar 30 milhões de civis soviéticos, o que também foi um exemplo para a dissidência do C.I.M japonês de não avançar na Sibéria, pois teriam o mesmo tratamento. Decisões que ficaram ocultadas pela propaganda comercial disfarçada de ideológica, pela fé comercial, ou a ignorância cultural muito bem explorada ao longo da história da humanidade. Os militares da ditadura brasileira executaram incompetentemente e congelaram intelectualmente no tempo e no espaço em 1984.

O segundo exemplo é mais recente, os norte-americanos vão comprar todos os documentos franceses na Indochina, pois sabiam que a derrota na Coréia era uma ameaça para o Japão e sua colônia de Filipinas em pouco tempo para perder a terceira maior economia do mundo e, em seguida, a Austrália e toda a Ásia. O “Stalingrado” norte-americano nota-se mais mercantil, o Vietnã, que sacrificou 1,2 milhão de pessoas pela vitória, repetindo os russos. Não se permite a leitura, que a vitória é Ouro e a morte é Humana ou Social. A gananciosa agressão tinha por trás da única opção imperial de vencer. Não havia outra alternativa. O pior é que no meio daquela guerra uma pandemia vegetal no milho (helmintosporiose) fez eles perderem três safras e enviar 500 mil jovens para a guerra por uma derrota certa com 50 mil mortos, mas um lucro gigantesco para o C.I.M. pago para todos os países ocidentais, com incentivo à Guerra Fria, colocando em risco toda a Europa, principalmente a energia dos árabes e da Venezuela. Ninguém no miserável mundo sabe o que significa Biafra, a não ser o apelido de uma cantora brasileira. A história tem o mesmo tratamento de Stalingrado e Vietnã, já que ambos foram vítimas do Complexo Industrial Militar e com esforço humano os derrotaram.

O terceiro exemplo é mais sério, é a destruição da democracia na América Latina. No Chile, uma das nações mais estáveis ​​e cultas do continente americano, o que se fez, acreditamos que foi a instalação de uma ditadura como a de Franco ou Salazar, mas todos sabemos, que não foi isso, foi a incorporação dos militares ao C.I.M. vencedor, pois todos eram da dissidência alemã por serem caricaturas e pouco doutrinados e mais fanáticos. A história registra a barbárie, quando o que se fez era tão absurdo que a barbárie conhecida não é nada. Em todo subcontinente as nações foram destruídas culturalmente por meio da intervenção econômica em suas principais matérias-primas subsidiadas artificialmente (cobre-ouro) e agricultura para poder consolidar o modelo do Complexo Industrial Militar que é único no mundo hoje.

Ele, o C.I.M não tem ideologia, nem religião, apenas metas e objetivos financeiros. Seu braço industrial são os agronegócios, novo nome para a agricultura, não mais ultrassocial que não precisa de ditaduras ou regimes militares em servidão. Ele não pode deixar terras mecanizáveis ​​fora de sua tutela em nenhum dos continentes e ainda existem populações tradicionais que não se adaptam a essa realidade e poderá haver sérias reações indígenas. Não pode haver consciência sobre a Amazônia, já que o "território" é internacional desde que os nazis estiveram lá para fazer o filme "O Roubo das Sementes de Borracha no Inferno Verde", em 1938, menos ainda do que as seringueiras plantadas por Henry Ford em Fordlândia e Belterra fizeram, eram parte deste mesmo processo da Palma africana, soja, gado, milho, galinhas e porcos que hoje ameaçam o clima do planeta, mas o C.I.M. vai se preocupar com isso quando for hegemônica e não existir dissidentes (Foto) . No entanto, há uma poderosa dissidência e chinesa.

Clima que é tema (objeto) de venda de serviços desde 1963 na ONG governamental WWF, do remanescente vivo conhecido como Império Britânico. Ela fez o primeiro programa de Zoneamento Ecológico Econômico em Rondônia em plena ditadura em 1986 na Amazônia, como um laboratório sócio-ideológico para o futuro. Eles temiam o que aconteceria aos heróis David e Nelson Rockefeller quando a maior mina de ouro do mundo em Sierra Pelada, onde mais de 1 milhão de toneladas de Ouro e Paládio foram extraídas, foi invadida por 150 mil pessoas e eles mal conseguiram trocar o ouro por papel-moeda que provocava inflação descontrolada. O Complexo Industrial Militar não pode permitir isso com o agronegócios e o preço do petróleo do Pré Sal, ou do Lítio da Bolívia, Argentina, México. Os governos estavam na OMC ameaçando e fazendo isso e financiando outros países na “competição desigual”.

Toda a lavagem no picadeiro do payazo “pequi roído”, coloque o nome que desejar, está dentro do roteiro do C.I.M. local e será cumprido por suas recepcionistas ou adidos nacionais. Ingênuos acreditam pertencer a ele e querem impor o medo. É diferente da Fundação Bill e Melinda Gates na Aliança pela Revolução Verde na África de Kofi Annan e Agnes Kabibata, com o ambiente (climas) de festa, ao final da Conferência de Berlim de 1883/4 que repartiu a África para a Europa cumpriu seu papel e o massacre entre Tutsis e Hutus em Ruanda e Burundi é o resultado daquilo, mas quem hoje sabe e correlaciona aquilo a isso.

É engraçado, em Porto Alegre eles se irritam com gente fazendo barulho com carros em frente a hospitais cheios de SARS Cov-2 e mais de 350 mortes/dia. No Burundi/Ruanda, no entanto, muitas freiras católicas foram julgadas na Bélgica e na França por matar dezenas de crianças, mulheres e idosos com machados e facões, para impedi-los de entrar em conventos. Não houve denúncias das armas psíquicas usadas ali para o comportamento. Haverá agora, no picadeiro?

O machí pediu licença para tocar e disse: Eles sabem que os povos indígenas da Amazônia e do mundo sabem que Salvador Allende fez a Reforma Agrária e devolveu o território aos Mapuches e isso significava aqueles que a dinastia Meiji fez no Japão em 1853, para consolidar a identidade cultural. Território é tudo o ultrassocial para se fazer agricultura.

O xamã Ashaninka, constrangido disse baixinho: Nós que éramos tratados despectivamente por “Campas” de um momento para outro estávamos na novela da Red Globo como atores e seus caros atores como figurantes, mas quem tem uma identidade cultural que brota do território percebe as coisas facilmente. Isso não acontece com os consumidores, que só existem quando consomem, sejam civis, religiosos ou militares... Essa é a fronteira hoje em dia, consumir ou não existir de Descartes. Esse é o problema lacaniano que eles querem esconder. Por Ñhanderhú, eles são incompetentes, a religião emerge do território.

O velho quilombola ergueu a voz: Éramos jovens quando vieram dizendo aos nossos avós que iam transformar o rio Amazonas em um grande lago. Minha avó pegou uma vasilha e a colocou na chuva que começava. Em três minutos estava cheia. Pediu ao vovô para trazer o tambor Diesel de 200 litros vazio e em 30 minutos ele estava cheio. Não falamos, mas todos os chiquilines começaram a rir, porque não tinham ido à escola deles, mas haviam estudado com os indígenas, que respiramos a água no ar e somos ela, para ver e perceber e o que é roubado de sementes, território e religião através do consumo de felicidade e alegria ou vícios e fantasias.

Spooky pediu permissão e acendeu seu kristoff fedorento de ponta cônica: Os melhores soldados na Amazônia (BIS) são os indígenas. Lisarb não se preocupou com uma lágrima involuntária, perguntou em voz baixa: Uvaia, Bocupari ou Feijoa, vamos para as árvores, como na “Serra Pelada”, que alguém disse que deveria se chamar “Ayuricaba” (em guarani significa de todos coisas feitas em conjunto para cada um.).

O Xamã, sorrindo: Ha, ha, Se é Ayuricaba, não será Stalingrado, Vietnã ou Chile, pois o consumismo é individual e não uma identidade cultural que é coletiva e emerge do território. Assim como a corrupção não é cultura, é vício. O pequi não está só roído, foi descascado por sua incompetência na escola e na academia, está nu. 

A fumaça do tabaco abre a mente, mas isso não interessava a John Rolf, nem ao império britânico, por isso os chineses superaram o Ópio e, agora, vêm com sua versão do C.I.M. (exemplo, stand chinês na Feira do Agronegócios Agrishow, em Ribeirão Preto, SP...)

Todos simultaneamente e sob a regência de Flores Magón, gritaram entre risos: Inché, Marichweu, Carpe Diem.

 

 

 

domingo, 21 de março de 2021

Carta Aberta aos Colegas do Departamento de Geografia (USP) Por Larissa Mies Bombardi

 

POR FAVOR, LEIAM COM ATENÇÃO E TOMEM PROVIDÊNCIAS

 São Paulo, 03 de Março de 2021

 Carta Aberta aos Colegas do Departamento de Geografia (USP) Por Larissa Mies Bombardi

 Caros Colegas,

 Completei 49 anos na última semana, 31 dos quais vividos no Departamento de Geografia. No início como aluna de graduação, depois como pós graduanda e finalmente, após ter tido inúmeras experiências como professora, ingressei como Docente do Departamento em 2007.

 Completo neste mês de março de 2021 catorze anos de docência no Departamento. Tenho pelo Departamento de Geografia, assim como por extensão, pela Faculdade de Filosofia, a nossa “Fefeleche”, e, pela USP, um profundo respeito. Minha vida se construiu neste Departamento! Minha construção enquanto pessoa, enquanto adulta, enquanto ser humano, enquanto professora, enquanto pesquisadora, enquanto ativista se fez neste Departamento. Boa parte das pessoas que marcaram minha vida como “modelos” daquilo em que eu gostaria de me tornar foram meus professores. Citarei apenas três, que hoje estão aposentados: Ariovaldo Umbelino de Oliveira (que é meu mestre desde o TGI), Ana Fani Alessandri Carlos e Maria Elena Simielli. Sempre, desde que me tornei professora aos 19 anos em uma das escolas públicas em Osasco, dando aulas no período noturno para o ensino médio, nutri profundo respeito pelo trabalho que eu realizava, pela escola pública, pelo ensino público, pela relação dialógica professor-aluno, pelo compromisso com a sociedade e, também, pela busca de construção de uma sociedade – no mínimo -mais justa. Alguns dos alunos daquela época tornaram-se meus amigos! Temos pouquíssima diferença de idade. Um deles, aliás, se formou em Geografia em nosso Departamento e fez também mestrado no Programa de Pós-graduação em Geografia Humana. Assim que ingressei como Professora no Departamento de Geografia –após inúmeras comemorações que faziam jus à felicidade que eu sentia por estar aqui, agora, como professora –me orgulhava de ir embora para casa quase sempre perto da meia noite, após a aula de Trabalho de Campo, disciplina que eu ministrava. Continuei por um bom tempo vibrando comigo mesma de ir embora acompanhada dos alunos ainda animados tão tarde da noite!

 Orgulhava-me, e orgulho-me até hoje, de ter ido até o oitavo mês de gravidez de meu primeiro filho -semanalmente - para o Assentamento Milton Santos, em companhia da Profa Sidneide e de nossos alunos para realizar um trabalho de extensão. Ainda grávida de meu primeiro filho participei ativamente das nossas plenárias e atividades de greve dentro e fora da USP (em 2009). Jamais vou esquecer do dia em que os alunos subiram correndo da reitoria, fugindo das bombas de gás lacrimogênio. Neste dia, em meio às ligações de familiares preocupados comigo, pois os meios de comunicação já divulgavam o que ocorria na USP, encontrei um dos colegas na rampa que me perguntou: “Vc não está grávida?” Fiz que sim com a cabeça, claro. E ele me deu uma bronca: “Vá para casa!!” Durante o início de minha licença-maternidade de meu segundo filho, que nasceu em Janeiro de 2012, o Departamento por meio da COC solicitou que eu corrigisse provas de recuperação e fechasse notas(o cronograma estava atrasado por causa da greve) e, eu, o fiz! E, embora eu não tenha compartilhado isso com os colegas e nem tampouco reclamado sobre os meus direitos como mulher e como trabalhadora, assumi a tarefa porque entendia que era uma necessidade do Departamento e que eu deveria atender e corresponder, ainda que meu filho fosse recém-nascido, eu estivesse privada do sono e vivenciando outras questões próprias ao período puerperal. Ministrei, por todos estes anos, as disciplinas obrigatórias História do Pensamento Geográfico e Teoria e Método em Geografia I sem dividir turmas com outro professor, com exceção do primeiro ano de minha carreira em que dividi com o Prof Élvio. Sempre turmas lotadas no diurno e no noturno! Em muitos destes anos, eu preferi ministrar aulas no Anfiteatro, como muitos colegas também o fazem. Jamais reclamei ou me furtei a quaisquer destas demandas! Ao contrário, tenho um apreço enorme pelas aulas, pelos alunos e pela relação que construímos. Obviamente, não há aqui qualquer soberba ou pretensão de perfeição. Encaro todo semestre como um “baita” desafio e o frio na barriga é uma constante em todo recomeço. Contudo, honestamente, antes de me tornar mãe, eu conseguia realizar as tarefas com uma organização, disciplina e prontidão bastante difíceis de alcançar neste momento. Eu invejo o tempo que eu tinha antes. Nas duas oportunidades em que me ausentei do Departamento para Pós-doutorado o fiz de forma em que minha saída correspondesse à metade do ano (segundo semestre), com retorno no final do primeiro semestre do ano seguinte, mas, de maneira que, anualmente, minha carga horária estivesse completa!

 Quando voltei da Escócia, em 2017, após o pós-doutorado, para ser precisa em 8 de maio, em tempo de acompanhar meu pai que faleceu no dia 30 de maio, deixei de ministrar disciplina na Pós-graduação. Portanto, nestes 14 anos de USP, fiquei, realmente, por dois anos sem ministrar disciplinas na Pós. Entretanto, mesmo tendo saído em dois momentos diferentes para Pós Doc, jamais deixei de “carregar o piano”, como gostamos de dizer. Sempre cumpri a minha carga horária na Graduação. Além disso, em que pese o fato de eu não ter ministrado disciplina na Pós-graduação, nos dois anos que corresponderam ao Pós Doc na Escócia, três semanas após o falecimento do meu pai eu já estava em trabalho de campo por vários dias com pesquisadores da Escócia que vieram à São Paulo. Eu os acompanhei em assentamentos de reforma agrária, em uma das usinas de açúcar da região de Araraquara, além de ter participado com eles de reuniões com lideranças e sindicalistas. Neste trabalho de campo foi a primeira vez que apresentei para assentados e outros camponeses os resultados de minha pesquisa de Pós-doutorado, com o conjunto de mapas recém finalizados. Uma emoção indescritível!!

 Em 2018, ano seguinte ao meu regresso, recebi Kendra Briken, da Universidade de Strathclyd e, como professora visitante, que ofereceu palestras e workshop, permanecendo conosco por um mês. Ela também teve participação na banca de meu aluno de doutorado, além de ter se reunido com os colegas do PPGH. Em 2019, também recebi o Professor Brian Garvey, que supervisionou meu pós-doutorado na Escócia, para palestras e entrevistas. Este foi o ano, também, em que realizei o lançamento do Atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” na Europa, em sua versão em inglês, graças ao financiamento para sua tradução realizado pelo PPGH. O lançamento foi feito na Escócia e na Alemanha. Na Escócia ele foi lançado na Universidade de Strathclyde em Glasgow, e, na Alemanha ele foi sediado pelo grupo ENSSER –“The European Network of Scientists for Social and Environmental Responsability”em Berlim. Desta forma, entendo que houve um equilíbrio nas diversas atividades por mim realizadas no âmbito da Pós-graduação e, também, da graduação.

 Voltando à questão da carga horária: pela primeira vez, em 2020, ministrei uma carga-horária baixíssima. Acho que não é demais relembrar aos colegas o contexto em que isto se deu. Como é de conhecimento de alguns, talvez até seja de todos, após o lançamento do Atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” na Europa, em abril e maio de 2019, passei a ser “intimidada” pela pesquisa que realizava. Em junho de 2019 recebi indicação de lideranças de movimentos sociais para que eu evitasse os mesmos caminhos, para que eu alterasse os meus horários, para que alterasse a minha rotina, de forma a me proteger de possíveis ataques dos setores econômicos envolvidos com a temática sobre a qual eu me debruço. Eu me perguntava: como uma mulher, mãe de dois filhos, única responsável pelas crianças e pela rotina das crianças poderia mudar algo na rotina? Os colegas mais próximos e os funcionários do DG sabem muito bem que até o período que antecedeu a pandemia, eu sempre chegava no Departamento – todos os dias – às 7h30 da manhã, após ter deixado as crianças na escola. Eu costumava “inaugurar” o estacionamento dos professores todas as manhãs. Estas indicações para que eu evitasse os mesmos caminhos e rotina que aconteceram em junho de 2019, ocorreram em trabalho de campo realizado com os alunos (não é demais lembrar, que como tantas mães do Departamento, deixei meus filhos por dias para realizar este e outros trabalhos de campo). Neste mesmo mês uma série de outras intimidações ao meu trabalho passaram a acontecer, especialmente após a maior rede de supermercados orgânicos da Escandinávia ter boicotado os produtos brasileiros, a partir do conhecimento do conteúdo do Atlas, lançado no mês anterior em Berlim. Dentre outros ataques ao meu trabalho, destaco um artigo publicado por Xico Graziano no portal 365. Neste mesmo mês, eu tinha uma palestra a ser realizada em Chapecó, a convite do Ministério Público de Santa Catarina, que se comprometeu a fazer todo o meu traslado (hotel-aeroporto-local da palestra) escoltada por seguranças. Eu já estava bastante assustada e, em um final de manhã, coincidentemente, estávamos indo almoçar, eu e a Profa Ligia e encontramos a Profa Cleide. Na sequência encontramos, também, o Prof Wagner. Almoçamos todos juntos e eu contei-lhes o que estava havendo.

 O Professor Wagner me disse: “você não pode lidar com isto sozinha, você está em uma instituição! Vamos conversar com a Profa Maria Arminda.” Ele então me pediu que eu reunisse e organizasse todas as informações em uma espécie de dossiê. A Profa Maria Arminda nos recebeu na mesma tarde. Eu disse a ela tudo o que estava ocorrendo e que estava considerando a possibilidade de ficar um tempo fora do país realizando um Pós-doutorado, ou em qualquer outra modalidade de inserção acadêmica. Ela me disse que achava que eu realmente deveria fazer isto, aconselhou-me a não viajar para Chapecó e se comprometeu a ligar para o reitor. No dia seguinte, após ter telefonado para o reitor, a Profa Maria Arminda telefonou para o Prof Wagner, dizendo que o reitor também achava importante que eu ficasse um tempo fora do país, também recomendava que eu não fosse para Chapecó e, finalmente, que o reitor ofereceu a guarda do campus para me acompanhar em todo o período que eu estivesse na USP. Eu, entretanto, não quis aceitar a escolta da Guarda Universitária. Considerei que seria melhor eu me preservar psicologicamente e não deixar que isso tomasse um vulto muito grande em mim mesma. Eu precisava –e preciso –estar bastante íntegra para conduzir a criação de meus filhos em um ambiente saudável (física e psicologicamente falando).De toda forma, foi um bálsamo ter recebido o apoio de muitos colegas do Departamento, da Diretora da FFLCH e do Reitor da USP. Recebi também, algumas moções de apoio, dentre as quais eu destaco a do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos que tornou público o apoio a mim e à minha pesquisa.

 Em agosto daquele ano, 2019, recebi um convite para ir à Bruxelas em dezembro para a presentar no Parlamento Europeu na “Conferência Aberta Sobre o Acordo Mercosul-União Europeia” os resultados de minha pesquisa. Obviamente fiquei bastante honrada com o convite. E, obviamente, também fiquei temerosa. Todos nós sabemos como tem se constituído este momento político do país. Em Bruxelas, em dezembro de 2019,ao ser recebida por alguns parlamentares e, especialmente, por um dos membros do Parlamento, eles mostraram-se extremamente preocupados com a minha situação. Eu disse especialmente a um deles, Paul-Emile Dupret, que me recebeu com sua família em sua casa: “veja, eu não fui efetivamente ameaçada”. E, ele me respondeu: “não precisa”. Insistiu para que eu não voltasse ao Brasil, colocou-me em contato com a Anistia Internacional, Revibra e outras redes de solidariedade e Direitos Humanos. Além, de, naquele momento, ter criado para mim uma conta alternativa de e-mail e outras indicações de comunicação alternativas. Enfim, desde então eu tenho tentado me estruturar para me proteger e aos meus filhos. É de conhecimento de todos que eu me programei para viajar em março de 2020 e, por isso, no primeiro semestre de 2020, não me foram atribuídas disciplinas. Isto foi conversado com a COC (da qual eu também faço parte). Não viajei em março do ano passado, como todos sabem, por causa da pandemia. Me estruturei, então, para viajar em setembro. Em agosto de 2020, na véspera do Dia dos Pais, fomos assaltados em casa. Foi bastante difícil!! Deixamos a casa no dia seguinte! Ficamos hospedados temporariamente em casa de parentes e foi nesta condição que eu “preparei” meu pedido de afastamento apresentado, obviamente, em cima da hora no Conselho de setembro.

 Levaram meu computador. Era um laptop antigo de baixíssimo valor, mas que tinha todo o meu banco de dados. Felizmente eu tinha um “backup” em outro local, em um HD externo escondido, que não foi encontrado. No dia seguinte ao assalto, após ter passado uma parte da noite presa no banheiro e, posteriormente, na delegacia, um parente me perguntou se o assalto poderia ter a ver com meu trabalho. Nunca foi novidade que não tenho o hábito de deixar os meus arquivos nas nuvens. Honestamente essa hipótese nem passou pela minha cabeça no dia do assalto. E, realmente não seis e tem relação com o meu trabalho. Talvez não tenha. Mas, jamais saberei. Desde então estou morando com meus dois filhos em um local emprestado e improvisado na expectativa de poder ficar um tempo fora do Brasil o quanto antes. Em 2020 publiquei, em parceria com Immo Fiebrig e Pablo Nepomuceno, dois artigos no Research Gate sobre a correspondência espacial entre suinocultura e Covid-19. Os artigos tratam da hipótese, ainda não comprovada, mas já discutida por outros pesquisadores, de que a criação intensiva de animais possa ser um dos veículos de propagação da doença. Um destes artigos foi posteriormente publicado no “Le Monde Diplomatique Brasil” o outro está submetido à revista Confins. Publicamos um terceiro artigo, em janeiro de 2021, na edição especial do Le Monde Diplomatique Brasil intitulada “Pandemia e Agronegócio”. Em função destes artigos a Associação Brasileira dos Produtores de Proteína Animal enviou um e-mail para mim, com cópia para a Coordenação do PPGH e para o Reitor da USP afirmando que eu não poderia tecer tais hipóteses, num absoluto tom de intimidação. A Embrapa também emitiu uma nota “técnica” sobre este artigo. Há cerca de três semanas, após ter dado uma entrevista ao Jornal Nacional, Xico Graziano novamente voltou a fazer ataques diretos ao meu trabalho, tentando desqualificá-lo. Este tem sido o cotidiano de meu trabalho e de outros tantos colegas envolvidos com este tipo de temática.

 A Agência Pública está fazendo uma série de reportagens, podcasts, sobre pesquisadores que estão sendo perseguidos e, ao dar-lhes uma entrevista na semana passada, me dei conta do peso que tem sido lidar com todas estas esferas ao mesmo tempo. Bem, estes são os motivos pessoais que me movem! Acho que os motivos profissionais já são mais do que conhecidos pelos colegas do Departamento e estão suficientemente descritos e documentados no Pedido de Afastamento que apresentei ao Conselho no último dia 10 de fevereiro. Mas, para aqueles que não sabem, concorri a uma bolsa na Universidade Livre Bruxelas em novembro de 2020 e a conquistei! O início está previsto para 01 de Abril de 2021. Penso que ela será um passo importante para minha pesquisa, mas que também terá importância para o Departamento. A resposta positiva para este posto chegou no dia seguinte ao Conselho de dezembro. Perguntei, à Secretaria do DG se eu poderia apresentar o pedido no Conselho Extraordinário de Janeiro, mas o pedido não pôde ser apresentado em função do teor daquele Conselho. Então, esperei que novos documentos viessem e os apresentei juntamente com o pedido no dia que antecedeu o Conselho de fevereiro.

 Me comprometi junto à COC, em uma conversa com o Prof Eduardo Girotto, a ministrar aulas no 1º Semestre de 2021. E me comprometi, após ter conversado com o funcionário Frederico, do RH da FFLCH e ter sido informada de que não havia incompatibilidade administrativa em me afastar e ministrar disciplinas neste primeiro semestre, uma vez que as disciplinas serão ministradas remotamente em função da pandemia. Nesta oportunidade, início de dezembro de 2020, o funcionário me informou que vários professores da FFLCH se afastaram no segundo semestre de 2020 nesta mesma condição que eu havia solicitado. Eu sei da sobrecarga a que todos estamos expostos!! Jamais quis sobrecarregar qualquer colega!!Infelizmente a universidade tem se tornado um ambiente duro, competitivo e machista. Dei minhas aulas “online” no segundo semestre de 2020 às 21h20 com meu filho mais velho do meu lado! Foi muito duro! Dei as aulas todas síncronas!!

 Com exceção de duas em que convidei as profas Glória e Rita para ministrarem palestras. Nas demais aulas, eu vestia o meu pijama com as crianças e as colocava na cama! Após eles adormecerem, eu me vestia novamente para dar minha aula. O meu filho mais velho, entretanto, muitas vezes não dormia. Meus alunos são prova de que ele ficava até a aula acabar ao meu lado. Durante todo o ano passado dividi meus dois equipamentos: celular e computador entre meus dois filhos, para que pudessem assistir suas aulas on-line. Fui também professora deles! Toda a alfabetização do meu caçula ficou sob minha responsabilidade. Não consegui, obviamente, como ainda não estou conseguindo, atender às reuniões da CCP e do Conselho(eu era membro até dezembro de 2020). Está sendo muito duro, sobretudo para as mulheres, lidar com a agora “tripla ou quádrupla” jornada de trabalho. Sinceramente, espero que o rolo compressor neoliberal que tenta desmontar esta Universidade não nos faça ficar uns contra os outros. Penso que nós, mais do que ninguém, sabemos que é o que normalmente acontece quando os trabalhadores são colocados em seu limite. Esta carta, mais do que qualquer outra intenção, tem o objetivo de poder expor os meus motivos e buscar solidariedade dos colegas com relação ao meu pedido de afastamento. Sempre penso que tem fases da vida em que nos doamos mais ao trabalho e outras fases em que podemos doar menos. Já que não temos mais os nossos cafés e nem a nossa “rampa” e, como também, não fui ouvida pelo Conselho em fevereiro, achei que uma carta aberta seria a melhor forma de expor aquilo que eu penso e aquilo que me move. Tenho prova de todas as informações que menciono nesta carta. Desde o Boletim de Ocorrência até as cartas e artigos intimidatórios. Meu currículo Lattes está atualizado e qualquer colega pode consultar as minhas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Posso garantir que foram inúmeras, e que talvez tenham tomado de mim mais do que eu pudesse dar. Peço desculpas pelo tamanho da carta. É uma carta-desabafo de um momento em que não podemos nos encontrar.

 Com profundo carinho e gratidão pelo Departamento de Geografia da USP que foi e é, sem dúvida, uma grande estrutura de minha formação como pessoa, despeço-me dos colegas e coloco-me à disposição para conversar e prestar quaisquer esclarecimentos.

 Larissa Mies Bombardi.

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