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Em 1920, quando Alexander Chayanov escreveu a novela Viagem de meu irmão Alexei ao país da utopia camponesa, a Revolução Russa mal tinha completado três anos. Vivia-se um período de profundas transformações, pois a Primeira Guerra Mundial alterara toda a geopolítica mundial, estabelecendo novas relações de força entre as potências. Prever o futuro, naquele momento, era uma aventura arriscada demais.
De que forma se consolidaria o regime socialista e como ele influenciaria o mundo? Que impacto teria na sociedade russa, ao longo das próximas décadas, um sistema conhecido apenas nas teorias políticas e econômicas? A História estava, como nunca, em aberto. Diversas direções eram possíveis, sujeitas a inúmeras variáveis.
Hoje, 84 anos depois, conhecemos os resultados daquelas transformações e sabemos que o socialismo se desfez no confronto com a realidade, após quase um século servindo como modelo antagônico à hegemonia do capital, do liberalismo e do individualismo. Com o socialismo morreu, para as gerações atuais, a noção de utopia. Aparentemente, no mundo globalizado, não existem mais alternativas.
Por isso é fascinante tomar contato com esta obra de Chayanov. Antes mesmo que o socialismo russo adquirisse contornos claros, o autor propõe-se a dar um salto histórico até 1984 e descrever que Rússia e que mundo ele encontra no futuro. Ou seja, descreve sua própria utopia socialista: uma sociedade absolutamente estável, onde o Estado não se faz sentir na vida dos homens, onde não há cidades com mais de 20 mil habitantes, onde os camponeses são o centro da dinâmica social e econômica e têm acesso às formas mais elevadas de cultura, pois o objetivo principal daquele mundo utópico é a elevação espiritual do homem.
São valores tão puros que soam quase ingênuos. E a utopia parece tão perfeita que transmite até mesmo uma sensação opressiva. Será? Talvez o nosso estranhamento, nos dias de hoje, a um pensamento tão singelamente utópico se deva ao fato de desconhecermos o que é uma utopia. Reino da perfeição, inatingível, mas com o qual se pode sonhar e do qual se deve tentar aproximar.
Deste modo, ler a Viagem de meu irmão Alexei ao país da utopia camponesa vale a pena para resgatar o sentido de utopia; para pensar em que rumos diferentes o socialismo poderia ter tomado, e onde foi que deu errado; para discutir conceitos filosóficos como a liberdade, a igualdade e a sujeição a um Estado (ainda que ideal); e, finalmente, porque é uma experiência prazerosa: mesmo investindo em minuciosa descrição da organização social e suas origens históricas, a novela é, sobretudo, ficção de boa qualidade, que prende e surpreende o leitor do início ao fim.
Incrível que Chayanov consiga tudo isso em apenas 14 curtos capítulos. Mais incrível ainda é saber que uma obra tão emblemática e importante - que, segundo alguns críticos literários, inspirou George Orwell a escrever o clássico 1984 - permanecia praticamente desconhecida no Brasil.
Fonte: Educação Pública
Lilly Kolisko |
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