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"Harmonizo meus pensamentos para criar com a visão". "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível".

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Saber e Fazer a tecnologia camponesa - etnobiofertilizantes

“Delvino”, equipamento camponês para fazer eletroforese sobre papel e um vaporizador e cromatografia para o revelado.


Ao passar 30 anos (1983) a (Fundação) Juquira Candiru (Satyagraha) desclassifica um de seus segredos, o “Delvino” (foto). Essa engenhoca foi homenagem ao camponês Delvino Magro de Ipê/RS. (A classificação deveu-se à um problema anterior resultado de uma entrevista jornalística sobre outra engenhoca, o Lutz II, um conjunto (Kit) para analisar resíduos de fungicidas em hortaliças e frutas através de uso educacional para a solucionar o mau uso de agrotóxicos e não autuação de forma policial como sempre desejou a ditadura. Aquela entrevista nos custou duas punições administrativas por “Falta de Urbanidade”, uma “Sindicância” e um “Inquérito Administrativo” pelo alegado Escândalo dos Moranguinhos de Feliz. Hoje sabemos o quê e quem estavam por trás e o que queriam. Não conseguiram!).


Éramos analista de resíduos de agrotóxicos no Laboratório do Ministério da Agricultura e durante curso de treinamento na Alemanha conhecemos o “boneco de correção” do livro sobre Biotecnologia que iria ser lançado no final do ano, como não tínhamos acesso ao mesmo por ser estrangeiro, o fotocopiamos (ilegalmente). Nesse livro estavam uma série de microrganismos usados como agrotóxicos para combater doenças e pragas na agricultura. O Magro produtor de maçãs desejava participar da Feira da Coolméia, mas tinha de usar certos fungicidas em função da sarna da macieira. Foi passada a ele, sob reserva, a forma camponesa de cultivo de um microrganismo de alta segurança para os agricultores e que estavam funcionando em nível laboratorial. Era uma tecnologia descalçada, não constava em livros: Fermentação de esterco de vacas leiteiras com o agregado de nove sais micro elementos [Ca, Mg, Mn, Cu, Zn, Co, Mo, Fe, B] com a precaução de não misturá-los de uma só vez para evitar possíveis incompatibilidades químicas; Além do agregado de starter de fermentação: fermento de pão, melaço e soro de leite em função do clima serrano de Ipê.

O período de fermentação desse biofertilizante era de somente onze dias, mas para a segurança do agricultor determinamos seis meses como mínimo. Nós tínhamos interesse em aproveitar a atual safra e os ensaios começaram a imediatamente em uma parte do pomar do Magro, que recebeu emprestada uma poderosa lupa Leitz e todo o apoio laboratorial.

Segundo von Clausewitz em “On War”, é recomendável divulgar a “tática” (prática) como forma de preservar a percepção da “estratégia” (teoria), oculta na fermentação do Bacillus subtilis, inóculo, sempre presente nos estercos de herbívoros, produtor de sideróforos, um poderoso enraizador e inibidor de microrganismos patogênicos. As precauções eram com as possíveis fitotoxicidade e danos às frutas, enquanto nós no laboratório avaliávamos os resultados e os aspectos de segurança operacional da biotecnologia. Assim foram cultivados pepino, tomate, feijão e radicci com adubações predisponentes ao desenvolvimento de pulgões e doenças em áreas dos pomares do próprio Magro, que eram tratadas com o biofertilizante em várias dosagens. Nós, depois analisávamos no laboratório para encontrar qualquer anomalia mineral, fitoquímica e obter o quadro tecnológico. 

Os micróbios (inóculos) metabolizam matéria orgânica e formam polipeptídios diversos, que é o biofertilizante. Era necessário garantir ao camponês o índice de bioatividade e a dosagem especifica para os cultivos.

A trilogia cobiça – ódio – ignorância sempre é o empecilho, ainda mais quando através da Teoria Matemática da Comunicação se comanda a agricultura. Optamos por divulgar o uso da técnica, sem explicar a formação de polipeptídios na fermentação. Quando uma técnica é de uso fácil, mais longe ficam seus fundamentos. No laboratório ao misturarmos o biofertilizante em igual quantidade de álcool 96GL formou-se um coagulo do material proteico criado pelo metabolismo do inoculo e era possível medir percentualmente sua concentração de substâncias bioativas. Este ensaio foi durante os primeiros vinte anos nosso primeiro segredo, pois sabíamos que as grandes corporações de agroquímica já tinham seus departamentos de biotecnologia e não permitiriam uma tecnologia descalça em benefício dos camponeses fora do mercado e usariam seu poder de dissuasão e corrupção sobre o governo e universidades para impedir o sucesso.

O teste do álcool (cujo nome código nos telefonemas era “graspa”) deixou de ser escondido a sete chaves em Guayaquil no Equador, em 2000. Um antigo estudante de agronomia (UFPEL) fora nosso estagiário no Laboratório do MA, e agora consultor internacional solicitava nossa ajuda sobre qualidade de biofertilizantes. Pelo trabalho dele grandes produtores e exportadores de banana orgânica estavam produzindo quantidades superiores a cem mil metros cúbicos de biofertilizantes, pois o resultado do biofertilizante contra a Sigatoka Negra era formidável e estava acabando com as 50 aplicações de fungicidas sistêmicos sobre o bananal, economizando centena de milhões de dólares.

Na propriedade do Senhor Simon Cañarte (R.I.P) fizemos para o Doutor em Bioquímica Rodolfo Maribona (R.I.P) a mistura do biofertilizante com álcool e rapidamente, pelo tamanho do coágulo formado, demonstramos seu grau de sua qualidade para a surpresa de todos. Em seguida avaliamos uma dezena de diferentes biofertilizantes. O Dr. Rodolfo Maribona era o chefe do Centro Internacional de Biotecnologia Cuba-Equador em Guayaquil e estava boquiaberto com a simplicidade. Ficou assustado quando alertamos que toda a agricultura orgânica brasileira e latino americana era sorrateiramente estimulada pela Fundação Rockefeller, Ford e Kellogs e que nós não estamos na “sociologia”, mas na a primeira linha de combate. Com a ciência fica no seu pedestal, não há revolução, pois somente o camponês é quem a sustenta. Em Cuba não usaríamos o álcool 96 GL, mas o Ron (na proporção de 2 para 1), pela graduação com o mesmo resultado e muitíssimo maior aceitação e compreensão. A ele foi explicada a tática, mas não foi dito nada de nossa estratégia maior: O álcool permite uma análise qualitativa, mas não quantitativa esta era a função do “Delvino”.
Lembro no final de 1983, do convite foi feito ao Magro para visitar o laboratório do M.A. Ele veio no dia de Reis e foi apresentado, primeiro ao LutzII (variante do Cazzenave-Ferrer para determinação de resíduos de Ditiocarbamatos). Ele ria e usava a tradicional expressão “Porco Dio”, o Lutzenberger sabe disso?

O Magro andava chateado porque os agrônomos que trabalhavam na região o estavam gozando haviam apelidado o biofertilizante de “Super-Magro”. O tranquilizamos, um dia eles vão pagar a ousadia e conhecerão o “Delvino”. Ele riu. Para quê serve? - Para comprovar a qualidade quantitativa do biofertilizante, futuro enfrentamento com a Bayer, Dow, Du Pont, Pfizer, pois a luta será entre o biofertilizante industrial (deles) e o artesanal (nosso) e nós manteremos a dianteira.

“Delvino” era uma cuba cromatográfica cilíndrica de vidro. Dentro dela um pedaço de régua plástica com duas tampas de garrafa PET uma azul e outra vermelha coladas a 16 cm de distância uma da outra. Dentro destas tampas se colocam dois anéis de fio de cobre com uma haste de conexão fora da mesma. Os fios de um adaptador de voltagem 110/220 AC com saída de 9 Volt DC são presos a cada haste de cobre. Os fios são presos com esparadrapo à régua. A análise é feita sobre uma fita de papel filtro marcada com lápis no seu centro equidistante das extremidades e semeadura da amostra de biofertilizante. Depois de seca naturalmente cada tampa é cheia com o tampão de desenvolvimento. As pontas do papel são colocadas simultaneamente sobre cada tampinha. Então a régua é colocada dentro da cuba cromatográfica e fechada. A absorção do tampão sobre o papel logo chega ao centro onde está a semeadura. Então o “Delvino” é ligado à corrente elétrica (AC) ou pilhas.

A migração dos polipeptídios dependem do tampão, os melhores são Carbonato/Bicarbonato em pH 5 ou pH 9,2; Ácido cítrico/citrato de Sódio pH 3,5 e 5,0. A duração de migração nos oito centímetros é de seis horas no verão e nove horas no inverno. O Magro ficou rindo: - Mas, eles não vão gostar nem um pouco, ainda mais com esse nome. – Veja, quando substituo as tampinhas presas à régua por tubos de PVC de 10 ou 20 cm., podemos fazer dez ou vinte análises comparativas simultaneamente então temos o “Delvino Gordo”. Ele permite acompanhar a fermentação dia a dia. – Madonna che cosa bella. Ele aceitou o nome. Foi mostrado que se podia substituir as cubas de vidro por garrafas PET e pilhas, para transportar e trabalhar a campo sem que ninguém desconfiasse ou soubesse, pois antevíamos que burocratas corruptos e pesquisadores de aluguel começariam a alardear do perigo dos Coliformes Fecais e doenças. Dito e feito não se passaram dez anos e a cantilena começou em toda a América Latina. 

O subversivo laboratório do MA começou a ser fechado em 1987 com a eliminação de uma colega de trabalho, mas antes de seu fechamento em 89 já tínhamos criado os biofertilizantes de soro de leite com farinha de rochas, o de abóbora vermelha e farinha de rochas; propusemos ao Frassy o de Sargaços; o de péla da seringueira, no Acre; o de caroço de Açaí no Pará; o de água de coco em Sergipe; o de mecônio ao Elemar Schmidt e muitos outros. O tempo passou.

Com tristeza, em 2007 na Estação Experimental de Tlamanalco no Estado de México escutei de uma pesquisadora: “O Super-Magro foi criado por cientistas brasileiros do governo brasileiro durante a Conferência Rio-92 das Nações Unidas”, mas se deve ter muito cuidado com os Coliformes fecais e Rotavírus. É assim, história é o registro de fatos no interesse dos poderosos e a ciência e tecnologia são seus aparelhos fáticos de elite perante a ignorância. 

O tempo passou e as grandes corporações avançaram hoje elas podem produzir polipeptídios e alterá-los através de catalisadores para obter, por exemplo, patentes com exclusividade de mercado (sideróforos) como o Diffidin e Oxy-Diffidin.

O Delvino Magro por sua diabete nos deixou há aproximadamente dez anos. Somente vimos uma homenagem ao seu trabalho por parte do prof. Carral. Contudo, como dizem os camponeses: “Zapata Vive, la lucha sigue y sigue”. Em Nepantla no Estado de México no Instituto da “Tierra Prieta” conhecemos o “Projeto Pan de Gallina” do Mestre Gumercindo Léon revolucionando a tática da entomo-biossíntese de Bacillus, Frankia, Azospirillum, tecnologias de sandálias (huaraches) úteis à agricultura. Lembramos o saudoso amigo Magro, o camponês, muito maior que o “Super Magro”, apelido deboche, apenas sua criatura.

Faz um ano e meio um formando em Agronomia entrou na sala 39 da FCE-UFRGS e disse satisfeito que havia aprendido a “receita” do Super Magro no sitio do Seu Juca. Ele a princípio não entendeu o sarcasmo: “- Quando ainda é possível aprender na casa do camponês, resta uma esperança tanto para a Universidade quanto para a Revolução.

Ele não sabia que o melhor café do mundo é produzido na Nicarágua em Las Segovias, táticos eles dizem ao mundo: “Mientras las vacas tengan culo, vampos ganar este premio, pues para producir el mejor café necesitamos solamente estiércol.” . Isso que ele não leu Deadalus (1923) de JBS Haldane, o grande estrategista que sorriria complementando: “Enquanto a turminha estiver ativa estaremos livres da trilogia cobiça – ódio – ignorância”.

A foto mostra o “Delvino”, equipamento camponês para fazer eletroforese sobre papel e um vaporizador e cromatografia para o revelado. Ele evoluiu, continua ativo para a identificação proteômica de polipeptídios, sideróforos e enzimas da Saúde do Solo. Hoje há a corrida das grandes transnacionais para potencializar seus biofertilizantes industriais. Em contraponto temos os etnobiofertilizantes, muito superiores, afinal Zapata vive e o Magro descansa em paz...

por Sebastião Pinheiro

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