"O segredo de uma vida empolgante não está em descobrir maravilhas, mas em procurá-las".
por Sebastião Pinheiro
por Sebastião Pinheiro
A primeira comemoração feita
pelos atletas alemães perante sua torcida pela conquista da Copa Mundial FIFA
no gramado do Maracanã foi a dança com a taça (foto). Maracanã é o nome
indígena do rio (já canalizado) que cortava aquela várzea e seguramente havia
grande quantidade do periquito que leva esse nome (foto), também conhecido por
maritaca. Imediatamente lembrei-me de outra pajelança, a professor e grande
cientista Augusto Ruschi. O conheci e a seu filho André em Santa Tereza no
Espírito Santo. Ruschi e Kausky eram cientistas e líderes orgânicos do povo
brasileiro.
Kausky com suas orquídeas
quase microscópicas e Ruschi com orquídeas, colibris e beija-flor e Mata
Atlântica. Quando Ruschi estava muito mal o cacique Raoni e o pajé Sapaim
fizeram a pajelança para desintoxicá-lo do envenenamento pelo sapinho
dendrobata que havia tocado no interior da Floresta Amazônica. A mídia
repercutiu que ele se sentia curado, apareceu na televisão, jornais, rádios
sentando e levantando seguidas vezes para mostrar o resultado do tratamento
indígena.
Contudo, pouco tempo depois
começou a piorar em função da hepatite C fruto dos seguidos tratamentos contra
as recidivas de malária.
Já muito doente, uma rede
hegemônica de comunicações ofereceu-lhe o custeio do tratamento na Clinica Mayo
em Phoenix, AZ.
Vendo aquela cobiçada taça
de cinco quilos de ouro e os jovens atletas teutônicos fazendo a dança indo e
vindo à taça, me fez lembrar minha estupefação quando o cientista negou-se a
aceitar o convite da Rede de Comunicações e disse aos amigos: Eu não vou trocar
uns dias mais de vida, pela desmoralização dos indígenas, que é o que estou
percebendo.
Era uma época braba. O
governo do Espírito Santo com respaldo federal oferecia ilegalmente terras
indígenas, quilombolas e de populações tradicionais à Aracruz Celulose (Casa de
Windsor, Coroa Norueguesa) para o plantio de eucalipto. A luta de Ruschi era
encarniçada contra a destruição da Mata Atlântica, orquídeas, beija-flores,
água e muito mais indígenas, que para um bom número de brasileiros vale muito
menos que uma estrela bordada na camisa da seleção de futebol, enquanto que
para outros vale centenas de vezes o peso daquela taça de ouro.
Os alemães agradeceram a
força mística da pajelança na cerimônia de despedida dos indígenas pataxós e
novamente veio à memória o que aconteceu na véspera da instalação da
Conferencia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, a Rio-92. A mesma cadeia de
televisão denunciou com grande alarde e sensacionalismo que o cacique Paulinho
Paiakan da tribo dos Caiapós e sua esposa haviam estuprado uma jovem branca...
Os movimentos sociais de todo o mundo presente à conferencia sentiu o golpe. As
articulações de entidades por essa artimanha ficaram fragilizadas no evento.
Entretanto, em 1994 os indígenas foram absolvidos. Interessante em 1999 eles
voltaram a ser julgados pelo mesmo crime, e então condenados a seis anos de
prisão.
A seleção alemã de futebol
como estratégia e logística construiu sua sede próximo ao lugar onde o Brasil
recebeu os primeiros europeus, no “descobrimento” e ali desde o Século XVIII na
colonização portuguesa havia um escudo para proteger e impedir a mineração de
ouro, por tal as terras eram públicas e muito preservadas e mantiveram algumas
etnias.
O Serviço de Proteção ao
Índio criado em 1910 possuía ali uma reserva de 50 mil hectares. Mas, começou a
ceder a terra indígena para o desmatamento e assentamentos de criadores de gado
e com o inicio do cultivo do Cacau no Sul da Bahia havia uma grande pressão dos
coronéis, barões e transnacionais do Cacau para a expansão das plantações. O
cacau só cresce sob o manto e sombra da floresta.
Para mais rápida expulsão e
degradação indígena se aproveitaram da Intentona Comunista e fizeram acusações
que os indígenas estavam se organizando células comunistas e assim o SPI
reduziu a Reserva de 50 mil hectares doando 15 mil hectares, distribuídos entre
os coronéis e barões do cacau em 1936.
Progressivamente diferentes
etnias indígenas do Estado da Bahia foram transportadas para a reserva que
minguava e misturada às etnias (Pataxó Hãhãhãe, Baenã, Tupinambá, Kariri Sapuyá
e Pataxó). Em 1950 da área restava apenas 3 mil hectare o resto estava todo
arrendado a comerciantes afilhados de políticos locais.
O chefe do Posto Indígena
para pagar as dívidas aos arrendatários que eram os comerciantes que forneciam
alimentos aos indígenas confinados vendia o gado criado pelos indígenas gerando
insatisfação e debandada.
Em abril de 1964
intensificou a cobiça por terras públicas e indígenas para a agricultura
moderna, um compromisso com as multinacionais de insumos e capital financeiro.
Somente em 1982 com o SPI
desde 1967 transformado em FUNAI é que as gerações remanescentes começaram a
organizar-se na busca de re-significar sua identidade e começaram a prestar
depoimentos sobre o seu “holocausto” e genocídio cultural, pois foram durante
décadas proibidas de falar em seu próprio idioma e praticar sua cultura. Os que
resistiam eram torturados violentamente ou consumidos delicadamente.
Seguindo os preceitos de
Paulo Freire, quando o Pró-Reitor de Extensão da UFRGS, um agrônomo é meu chefe
comemorava eufórico que uma jovem indígena havia se graduado advogada e
pretendia trazê-la para uma palestra. Ficou desconcertado quando eu lhe
questionei: Onde no Brasil havia uma faculdade indígena com curso de direito.
Depois ficou enraivecido e colérico.
Eu não o peitava por
ideologia, é que como cidadão e ativista acompanhei o crime cometido contra o
pataxó Hãhahãe Galdino Jesus dos Santos, (foto) que fora participar em Brasília
do Dia do Índio (19 de Abril de 1997) e ter uma audiência com o presidente da
República pela recuperação das Terras no Sul da Bahia.
Após as comemorações
perdeu-se na cidade e chegou tarde à pensão onde estava alojado e para não
incomodar foi dormir em uma parada de ônibus. Foi encharcado com álcool e
queimado vivo por um grupo de cinco jovens da alta sociedade branca de Brasília
que alegaram que não sabiam que era um índio, pensavam que era um mendigo e
estavam brincando e queriam dar um susto.
Julgados foram condenados, mas
sequer cumpriram a pena e pouco tempo depois estavam livres... Talvez até
tenham assistido aos jogos da Copa.
Ruschi foi um grande
defensor dos direitos indígenas. Uma das coisas importantes que aprendi com ele
foi o índio é o guardião das matas e onde não há mais mata há a necessidade de
compatibilizar a Reforma Agrária, a Agricultura e a Preservação Ambiental como
exercícios de cidadania.
Foi com ele que entendi
finalmente o significado do quadro Abaporu (Tarsila do Amaral): “Homens que
comem homens”; E o lema “Tupi or no Tupi” da Semana de Arte Moderna (1922).
Eu torci pela Argentina, mas
fiquei contente com a dança dos alemães, pois a televisão teve de mostrar e o
Brasil ver. Finalmente os companheiros de Galdino foram reconhecidos na dança
de agradecimento dos teutônicos em pleno gramado. Todos deveriam saber
decifrar. Sem esnobismo, mas alemães não improvisam jamais e adoram cifrar as
coisas.
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