22 de junho de 2018
por Sebastião Pinheiro
Um
rio pode subir em busca do futuro, felicidade, ou descer em busca da esperança
ou salvação. Em minha juventude impactou ler o autor uruguaio-missioneiro Horacio Quiroga, no conto "La
yarará". Na subida, por outra razão tenho buscado minha identidade, já que
estou cada vez mais perto da minha nascente. Por hora estou no Araguaia, onde
muitos jovens foram enterrados clandestinamente, porém seus sonhos, jamais.
Lugar berço de sonhos e memórias ainda turva na história.
Tive
a bênção de conhecer Dom Hélder Câmara
e Dom Pedro Casaldáliga, bispos
identificados com o ser humano, em suas plenitude materiais, e agora volto a encontrar
Dom Pedro já bem ancião (velho) e admirar de perto o vigor que sua figura emana
na Prelazia de São Félix do Araguaia. Nem a doença consegue quebrantar seu
brilho.
Na
TV, não vemos a notícia ou informação. Vemos aquilo que interessa ao poder do
império e seus pretores (pressupostos). A reflexão é necessária, vemos nos meios
de comunicação os problemas no Oriente Médio, em particular na Faixa de Gaza,
onde um povo retirado de suas casas foi confinado em uma prisão a céu aberto.
Não há como não se posicionar quando se vê crianças, mães, jovens atirando
pedras nos soldados, como o jovem David tentando eliminar um Golias de alta
tecnologia, recursos e apoios.
Em
1965 um povo nacional, os Xavantes (Akuen, a'uwe, Akwe, Awen,
ou Akwen) foram expulsados de suas
terras caíram os rios de desespero, feitos escravos, depois o exílio sofrendo
epidemias causadas pela má alimentação e privação de liberdade ... Já faz
muito tempo que li em Dee Browm, em
"Bury My Heart at Wounded Knee” com a grande caminhada, genocídio, também
planejado, norte-americano, que depois de forma utilitária usou a linguagem
Delaware-Lakota como um código militar para derrotar o Japão na Guerra. As
terras Xavante foram "vendidas" e entregues ao proprietário Ariostoda Riva (Hacienda Suyá Missu) pelo governador do Mato Grosso em 1950,
respaldado, depois pelo regime militar de 1964 com medo da Revolução Cubana.
Haverá isso ocorrido somente por corrupção ou por uma ordem do império para
criar uma "base camuflada" para sufocar qualquer rebelião nativa,
como foi feito com o Projeto Jari no Amapá? Para a história há tempo, mas para
os humanos não. "Marãiwatsédé" na língua Xavante significa Mata
Densa, que em português pode ser traduzido por "Mato Grosso" que dá
nome ao Estado. No Brasil, a corrupção sempre caminha ao lado da ignorância dos
que mais frequentaram a escola.
Convivi
alguns dias com alguns nativos brasileiros (Carajás, Xinguanos ou Xavantes), somente
nos permite perceber que uma "Faixa de Gaza" não está dentro da TV no
horário nobre das notícias, mas está mais adentro de nossa sala do que o
próprio dispositivo como uma ação de doutrina e controle. Nossa educação em
todos os níveis não nos permite conhecer a realidade, só a fantasia alienadora
dos meios de comunicação. Um candidato a governo do estado disse em voz alta e com tom, que "os seres humanos de povos nativos ou adventícios que vieram contra
sua vontade como escravos são as piores coisas que há na sociedade local e
nacional". Está é a formação universitária nacional.
Esquecemos
o Primeiro deputado federal indígena Mario Juruna. Esquecemos a gravação da banda de Heavy Metal
"Sepultura", de "Raízes" com eles na campanha contra a
Fome. Nem sabemos quem foi Jimmy Carter
e sua doação em comida...
Mas
a resistência venceu ao ódio. Hoje os Xavantes depois de muita luta e
sofrimento retornam para casa, reconquistam seu território, sem árvores,
totalmente devastados sem caça, sem peixes, suficientemente envenenados por uma
agricultura predatória pelo agronegócio, mas com a esperança de subir o rio
para voltar a seus lares nas aldeias de seus antepassados, onde permanecem
vibrando suas divindades e logo as matas voltarão a sorrir e chorar ao vento e
o tambor dos pés na terra ecoará nas aldeias.
O
promotor federal cumpriu a constituição e cobra uma punição ao governo por 60
anos de exílio confinamento e desmoralização e genocídio cultural. Na aldeia Etewauwe o Cacique David, filho de Tibúrcio
e sobrinho de Januário encontrei tantas crianças, que trazem a esperança de que
eles logo estarão em boas escolas étnicas harmonizando as alturas de sua
cultura e identidade nacional. Também me deixou feliz nessa subida do Araguaia
é saber que eles na retomada estão produzindo alimentos para as outras aldeias:
Solidariedade e Fraternidade. Isso está em seu sangue e espiritualidade.
Descobriu-se
que o povo nativo Karitiana não sofre de hepatite, então seu sangue passou a
ser procurado pelos garimpeiros da biotecnologia (Genoma Humano). O estudo
genético de 2015 conclui que as origens dos Karitiana, Xavantes e Paiter-Surui
têm ancestrais em populações da Australásia, Ilhas Andaman, Nova Guiné e
Austrália. Os cientistas especulam suas relações com a "População Y",
de onde ambos os grupos divergiram entre 15.000 e 30.000 anos atrás e migraram
para o norte até chegarem ao interior da "Marãiwatsédé" e deram nome
a um Estado.
A
esperança em ver jovens que, em conjunto, promovem e organizam a recoleta de
sementes, sua distribuição e semeadura para fixar os gases do efeito estufa no
solo e na floresta que rebrota onde antes só havia a devastação da pecuária do
agronegócio promovida pelo mesmo governo inepto do "waradzu"
(branco). O trabalho da Prelazia é fantástico, merece receber o Prêmio Nobel da
Paz por suas ações diversificadas em favor dos mais humildes.
Subindo
o Araguaia vou cantando: "Rio abaixo, rio abaixo vou levando esta jangada
...". Sim, com consciência vou satisfeito por ter recebido a mão do
Guardião do Tempo. Pelo menos uma das nossas "Faixa de Gaza", está
com os seus dias contados, antes de chegar a nascente destruiremos todas as
"Faixa de Gaza". E a luta segue e segue na construção do biopoder
campesino, Zapata Vive e Vive nas Águas do Araguaia..
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