Desde 2003, com a posse do primeiro governo Lula, o Estado brasileiro vem
tomando medidas concretas no sentido de revitalizar as ações públicas de Assistência Técnica e
Extensão Rural. Uma das principais características desse processo de
reconstrução da ATER pública foi a efetiva participação de movimentos sociais e demais organizações da
sociedade civil nos processos de debate e elaboração das concepções e
metodologias dos serviços de ATER. Dessa forma, foi construída a Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - PNATER e a lei de Ater.
Mais recentemente, a
Iª Conferência Nacional de Ater (CNATER), cujo processo preparatório mobilizou
40 mil pessoas de todos os estados da federação, reafirmou a necessidade de
criação de um Sistema Nacional para articular os serviços de Ater de forma
pública e universal, voltado exclusivamente para agricultura familiar e
fundamentada nos princípios da Agroecologia.
Em todo o Brasil,
testemunhamos que esta experiência de ATER com enfoque agroecológico já deu
passos significativos, inclusive com o reconhecimento do MDA em suas
publicações intituladas “Práticas de Excelência em ATER”. Essas experiências
ensinam que a construção da agroecologia não se faz com base nos preceitos do
difusionismo tecnológico e sim no protagonismo dos agricultores familiares em
dinâmicas locais de inovação, mediante o dialogo de saberes científicos e
populares.
Diante dessa evolução
positiva que vem cobrando muito esforço das organizações da sociedade e do
governo federal, fomos surpreendidos com o anúncio intempestivo da proposta de
criação de uma Agência Nacional de ATER (ANATER), cuja formulação já se
encontra no formato de um Projeto de Lei em estado avançado de debate no
Congresso Nacional. A exposição de motivos que acompanha o referido PL não
deixa dúvidas com relação à intenção do governo de reafirmar a perspectiva
difusionista, ao atribuir centralidade do sistema de ATER à Embrapa, sob a
alegação de que as tecnologias já desenvolvidas pelo Sistema Nacional de
Pesquisa Agropecuário (SNPA) não são acessadas pelos agricultores.
Questionamos
radicalmente essa interpretação que fundamenta a criação da ANATER. Em primeiro
lugar, porque a maior parte do acervo tecnológico desenvolvido pelo SNPA não se
ajusta à realidade da agricultura familiar e povos e comunidades tradicionais
por induzi-los a crescente dependência ao sistema financeiro e agroindustrial.
Tanto isso é verdade que a parcela da agricultura familiar que vem incorporando
as referidas tecnologias da modernização com apoio das políticas do Estado estão
cada vez mais dependentes do financiamento público para reproduzirem seus
sistemas de produção. O expressivo aumento dos índices de endividamento da
agricultura familiar nos últimos anos é uma expressão inequívoca desse
fenômeno.
Em segundo lugar, porque
a perspectiva agroecológica não se coaduna com a intenção de disseminação
universal de tecnologias geradas em meio controlado nos centros de pesquisa. No
lugar do fortalecimento de um sistema público de ATER que reforce essa
perspectiva difusionista, temos lutado e permaneceremos lutando pelo
desenvolvimento de abordagens para construção do conhecimento fundamentadas na
ação protagonista das comunidades rurais em parceria com extensionistas e
pesquisadores. Isso implica não só a continuidade da renovação do sistema de
ATER em sintonia com as proposições da I CNATER como a reformulação do sistema
de pesquisa agropecuária, com a revisão das abordagens metodológicas e do enfoque
adotado pela Embrapa, pelas OEPAs e pelas universidades brasileiras em
coerência com os princípios agroecológicos.
Diante desse conjunto
de questões, nós, 2300 participantes do III Encontro Internacional de
Agroecologia (III EIA) que reuniu agricultores/as familiares, assentados/as,
extensionistas, pesquisadores/as, estudantes, gestores públicos e professores nos colocamos radicalmente contra o movimento em curso que
sinaliza uma clara desconstrução dos acúmulos duramente conquistados nos
últimos anos no campo da ATER pública para a agricultura familiar, e para isso,
propomos a abertura de um amplo debate público a respeito da ANATER.
Fonte: Blog do III Encontro Internacional de Agroecologia
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