"A vida é a grande força geológica." Vladimir denominou a matéria viva de "água animada".
La biosfera |
Pintura "o abismo", do artista de San Francisco Shoshanah Dubiner que interpreta a visão do russo Vladimir sobre a biosfera. "Fogo verde" fonte: website Sho.Sha.Nah |
A TEORIA DA BIOSFERA DE VLADIMIR VERNADSKY
por Maiane Gonçalves
E. Suess (1831-1914), geólogo austríaco, inventa a palavra
"biosfera" no final do século XIX. Wladimir Vernadsky (1863-1945),
mineralogista russo, pai da ecologia global holista, define o conceito numa
perspectiva mais ampla e complexa. O conceito de "biosfera" impõe-se
a partir de então.
Biosfera é uma compreensão da vida terrestre concebida como
totalidade. Vernadsky abre uma nova pesquisa: a geo-química global, designada
como a química e a história da crosta terrestre. A tradição anglo-saxônica
estava mais ancorada em conceitos geo-botânicos e Vernadsky introduz uma visão
ecológica da terra. Ele ajudou a fazer da ecologia uma ciência da terra. No
início, essa visão ficou restrita à área russa. Alfred Lotka introduz a
ecologia global nos Estados Unidos e no ocidente.
O início dessa perspectiva está na pedologia (Bodenkunde em
alemão), isto é, a ciência do solo. Ela mostra a importância das propriedades
físicas e químicas do solo e de sua situação climática. Um autor importante
para essa perspectiva foi o especialista russo em solos, Dokouchaev, com quem
Vernadsky trabalhou, estudando o rico solo da Ucrania. Vernadsky é mais de formação
mineralogista. A mineralogia, para ele, é o estudo dos fenômenos químicos que
acontecem na crosta terrestre, seguindo processos e reações físicas e químicas.
Com isso, ele consegue juntar a mineralogia e a pedologia.
Em 1926, Vernadsky publicou a célebre obra "A
biosfera" (republicada em inglês: The Biosfere, Oracle (Ariz.): Synergetic
Press, 1986), cuja intenção era chamar atenção dos naturalistas, geólogos e
sobretudo biólogos da importância do estudo quantitativo da vida em suas relações
indissolúveis com os fenômenos químicos do planeta. A obra consta de duas
partes: I. A biosfera no cosmo; II. O domínio da vida.
Define a biosfera, como a região única da casca terrestre,
ocupada pela vida, que não é um fenômeno exterior ou acidental na superfície
terrestre. A vida está ligada por um laço estreito à estrutura da própria
crosta terrestre e faz parte de seu mecanismo...A vida e toda matéria vivente
podem ser concebidas como um conjunto indivisível no mecanismo da biosfera.
A propriedade da vida é sua ubiqüidade (está em toda terra),
sua prodigiosa capacidade de ocupar qualquer espaço livre. Essa difusão e
multiplicação da vida são manifestações terrestres da energia geo-química da
vida na biosfera. O antrópodes, ácaros e termitas são a massa principal de
matéria animal, vivendo sobre a terra; sua capacidade de reprodução pode em
pouco tempo ocupar toda a superfície da biosfera. O caso das bactérias é ainda
mais singular. A sua energia geo-química manifesta-se pela rapidez de sua
difusão e multiplicação. Multiplicam-se em progressão geométrica. Mas a vida
como um todo multiplica-se nas dimensões finitas do planeta e nos limites
impostos por sua constituição e seu ambiente.
Vernadsky vê a biosfera como um mecanismo cósmico harmonioso,
desprovido de azar ou de acaso. Biosfera é o domínio da crosta terrestre,
ocupada por transformadores que mudam as radiações cósmicas em energia
terrestre ativa. Essas transformações acompanham a migração de todos elementos
químicos através da matéria vivente e sua emigração para fora dela.
Os elementos da biosfera distribuem-se em três grupos:
1) A matéria vivente é o conjunto das espécies vivas (99 %
são autotróficas e 1% são heterotróficas).
2) A matérias biógena que compreende os combustíveis fósseis,
a turfa dos pântanos, o húmus proveniente da matéria viva.
3) A matéria bioinerte que são a água, as rochas sedimentares
e a parte baixa da atmosfera indissociáveis da história da vida.
Vernadsky já apontava, naquele tempo, para o papel protetor
da camada de ozônio. Ela serve de limite superior da biosfera. O oxigênio
forma-se na biosfera por processos bio-químicos que desaparecerão com a
extinção da vida. Vernadsky defende que esse mecanismo é inalterável em todas
as eras geológicas. Ele resume as leis que regem esses processos em dois
princípio:
1) A migração biógena dos elementos químicos na biosfera
tende à sua manifestação mais completa.
2) A evolução das espécies, atingindo a criação de novas
formas vitais estáveis, deve mover-se no sentido do aumento da migração biógena
dos átomos na biosfera. Por exemplo, no início da era paleozóica houve uma
aceleração da migração biógena do cálcio para a emergência dos vertebrados.
Assim, o surgimento da vegetação terrestre significou a migração do oxigênio,
hidrogenio e carbono.
A irrupção do homem civilizado significou uma ruptura no
processo de migração biógena. A face da terra mudou substancialmente. A era
dessa transformação apenas começou. O surgimento do ser humano foi sendo
preparado por todas as eras anteriores. O ser humano está ligado ao bloco da
vida junto com todos os seres vivos. Está ligado a esse bloco pela nutrição.
Toda construção social é movida por essa necessidade. O ser humano é um animal
heterotrófico cuja ação geológica tornou-se imensa no curso do tempo. Com o
surgimento da agricultura a natureza virgem foi aniquilada. Introduziram-se
novos compostos químicos desconhecidos e novas formas de vida. Isso cria uma
situação inquietante, agravada pela distribuição injusta das riquezas.
Vernadsky prega uma mudança nas formas de alimentação e na
utilização das fontes de energia por parte do ser humano. A realização dessa
utopia social é de grande urgência. Ele prega a utilização da energia solar e a
transformação do ser humano em animal autotrófico, consumindo apenas sínteses
alimentares. Isso terá repercussões imensas. Será a expressão de um processo
que dura milhões anos. Para Vernadsky, essa nova utopia será possível pela
ciência.
A HIPÓTESE "GAIA" DE JAMES LOVELOCK
James Lovelock |
Gaia quer ser um conceito ainda mais amplo que biosfera,
importante para compreender o destino da terra como planeta vivente. A terra é
entendida como uma gigantesca máquina termo-química. A proposta explicativa de
James Lovelock está principalmente em duas de suas obras: Gaia: New Look at
Life on Earth (New York: Oxford University Press, 1979) e The Ages of Gaia (New
York: Norton, 1988). Essa última obra está traduzida ao português: As eras de
Gaia: A biografia da nossa terra viva (S. Paulo: Campus, 1991).
A hipótese de Lovelock é uma proposta original de uma
auto-regulação da terra e da vida que ela carrega. O conjunto da terra e da
vida formam um sistema que tem a faculdade de manter a superfície terrestre num
estado propício para prossecução da vida na terra. Lovelock afirma que a terra
é um ser vivente. Ele foi buscar na mitologia grega o nome da deusa Gaia, para
designar essa entidade viva. A sua hipótese não é mitologia, mas ciência. Como
climatologista, Lovelock chegou a essa teoria a partir dos seus estudos
científicos sobre os diferentes climas da terra.
A afirmação central é que a própria vida contribui para
conservar as condições para a vida no planeta terra. Ela interage
constantemente com o meio-ambiente físico-químico, formando com ele um ser
vivente. Gaia é uma entidade complexa, compreendendo a biosfera terrestre, os
oceanos e a terra. O conjunto forma um sistema cibernético de feed-back, que
procura o ambiente físico e químico optimal para a vida sobre o planeta. A
preservação das condições relativamente constantes para um controle ativo da
vida pode ser descrito pelo termo homeostasia.
A teoria de Gaia é uma alternativa à sabedoria convencional
que vê a terra como um planeta morto, feito de rochas, oceanos e atmosfera
inanimados e meramente habitado pela vida. Ao contrário, a terra é um
verdadeiro sistema, abrangendo toda a vida e todo seu meio ambiente,
estreitamente acoplados de modo a formar uma entidade auto-reguladora.
Na primeira obra, Lovelock fala de "biota", como
conjunto da vida terrestre, e biosfera, como o conjunto do ambiente da vida.
Gaia é mais extenso que biosfera, entendida como parte do planeta onde existe
vida, porque inclui a totalidade da atmosfera, rochas e oceano.
Para Lovelock, a terra e a vida que ela carrega são um
sistema que possui a faculdade de regular sua temperatura e a composição de sua
superfície, mantendo-os propícios à existência de seres vivos. Trata-se de um
processo ativo, tributário, sem contrapartida, da radiação solar. Gaia é um
sistema auto-organizado e auto-regulado no qual a vida microbiana joga um papel
fundamental. As miríades de micro-organismos que povoam toda a crosta terrestre
são os principais responsáveis pelas condições favoráveis à vida. Eles regulam
a temperatura e a composição da atmosfera da terra, a salinidade dos mares, as
condições do solo. As pesquisas da microbiologista Lynn Margulis ajudaram ao
climatologista Lovelock entender e fundamentar a sua teoria.
Bacteriófila Lynn Margulis |
A hipótese Gaia suscita interesse, mas também objeções principalmente
por assinalar uma teleologia à terra, dando ao mundo uma capacidade de previsão
e um sentido de projeto do qual não existe prova. A essa objeção, Lovelock
responde que ela esquece algumas observações tangíveis: o fato da crosta
terrestre, os oceanos e o ar não serem dados brutos. Eles são diretamente
produzidos pelos seres vivos ou modificados por sua presença. Para responder
aos seus objetores, Lovelock cria um modelo de explicação, comprovado em
computador: a "parábola das flores margaridas".
Ele imagina um planeta floral, habitado por duas espécies de
margaridas, uma clara e a outra escura, cujo ambiente é reduzido apenas à uma
variável, a temperatura. Debaixo de 5º e acima de 40º, elas não sobrevivem. O
planeta floreal é clareado por uma estrela cuja luminosidade aumenta com a
idade como no caso do sol. Na baixa temperatura, as margaridas escuras são
favorecidas e absorvem mais radiação e crescem. Assim elas aumentam e fazem
subir a temperatura localmente e depois regionalmente. Isso abre espaço para
que apareçam as margaridas brancas, enquanto que as negras emigram para regiões
mais frias, levando igualmente a um processo de aquecimento e assim
sucessivamente. Trata-se de uma retroação positiva.
Com esse modelo, Lovelock quer explicar a possibilidade de
regulação do ambiente por uma biocenose. Ele coloca-se a pergunta: Será que a
evolução do ecosistema do "planeta das margaridas" levaria a
autoregulação do clima? Essa parábola introduz uma novidade na ecologia, a
retroação, que permite internalizar variáveis do ambiente. Essas variáveis são
suscetíveis de modificação pelo comportamento da biocenose. Esses mecanismos
autoreguladores são típicos da teoria dos sistemas e da cibernética. Nesse
sentido não existe uma determinação teleológica.
Para Lovelock, a hipótese gaia introduz um conceito de terra
no qual:
1) a vida é um fenômeno planetário;
2) não pode existir uma ocupação parcial dum planeta por
organismos vivos;
3) a visão de Darwin é modificada, porque é necessário
acrescentar que o organismo afeta seu ambiente;
4) tomando as espécies e seu ambiente físico num conjunto
único, podemos construir modelos ecológicos que são matematicamente estáveis.
Outro ponto controverso da teoria de Lovelock é o mecanismo
de estabilização do teor atmosférico de oxigênio ao redor de 21%. Desde que
existe vida na terra esse teor permaneceu estável, porque acima de 25%
provocaria incêndios, eliminando a vida, e abaixo de 15%, a asfixia dos seres
vivos aeróbicos. Existe, segundo Lovelock, uma auto-regulação homeostática da
própria vida no planeta que possibilita essa taxa permanente.
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