Reforma Agrária já!
"Porque o latifúndio é o irmão siamês do arcaísmo técnico"
algum lugar no sertão baiano, foto: O. Blanco |
Estou lendo Sete Palmos de Terra
e um Caixão, ensaio sobre o Nordeste uma Área explosiva, de Josué de Castro.
Aliás um excelente livro que integra o conhecimento popular dos porquês do
empecilho histórico do lento desenvolvimento da região nordestina.
No final do capítulo V me deparei
com um discurso de Josué, na Câmara Federal; e, antes de ler esse livro, em
2013 escrevi dois textos, o que me vinha na cachola no momento: Vaca Magra Nordestina e MaPiToBa; não é coincidência gozar com a mesma linguagem do Josué,
é que sentimos o presente, o momento, o movimento. Isso é pura propriocepção de
pensarmos um Brasil forte, verdadeiro, livre para todos e todas, brasileiros e
brasileiras. Reforma Agrária é de Consciência Nacional.
“No ano de 1956, quando o
Nordeste se encontrava a braços com as consequências de uma grande seca, num
discurso que pronunciei na Câmara Federal do Brasil, procurei mostrar que o
problema era mais complexo: que não bastava lutar contra os efeitos das secas
para salvar o Nordeste. Ainda nesta época, este discurso recebeu uma cerrada
oposição e, o que parecerá mais estranho ainda, oposição por parte dos
representantes do próprio Nordeste.
Transcrevo alguns trechos deste
discurso, como um novo documento desta progressiva tomada de consciência
nacional:
‘Não nego a existência da seca. Nego seja ela a causa do fenômeno da
fome no Nordeste; porque a seca é uma causa secundária, subsidiária, que apenas
agrava o estado de coisas reinante, determinado por outras causas, mais sociais
do que naturais... Quero deixar bem claro este ponto de vista, a fim de não ser
mal interpretado porque, como nordestino, como homem da região das secas, como
filho de homem do sertão e como neto do retirante da seca de 1877, não nego a
existência do fenômeno. É mister entretanto, que não se explore a questão,
dizendo que a culpa de tudo é a seca, quando há outros culpados e mais do que
ela.
Meu objetivo é esclarecer – e tenho a coragem de dizer que não é a seca
que determina a fome; mas outras causas determinantes que necessitam ser
removidas; e desejo sugerir um plano que anule essas causas, a fim de evitar a
persistência do fenômeno da miséria e da fome que assolam grande área do
território nacional... A meu ver, a fome que o Nordeste está atravessando, a
miséria aguda, que se exteriorizava mais gritante, mais negra e mais trágica
nesta época de calamidade, é mais um fenômeno de ordem social do que natural.
Mais do que a seca, o que acarreta esse estado de coisas é o pauperismo
generalizado, a proletarização progressiva do sertanejo, sua produtividade
mínima, insuficiente, que não lhe permite possuir nenhum reserva para enfrentar
as épocas difíceis, as épocas das VACAS MAGRAS, porque já não há lá, nunca,
época de vacas gordas. Mesmo quando chove, sua produtividade é miserável, sua
renda é mínima, de maneira que ele está sujeito a viver na miséria absoluta,
segundo haja ou não inverno na região do sertão.
E que causas determinam esse
estado social, esse estado de estagnação econômica e de proletarização
progressiva da região do sertão?
A meu ver, a causa essencial, central, contra a qual temos de lutar
todos, é o regime inadequado da
estrutura agrária da região, o regime impróprio da propriedade territorial
com o grande latifundiarismo, ao lado do minifundiarismo, reinantes no Nordeste
do Brasil.
Sendo esta uma região por excelência agrícola, desde que 75% das
populações do Nordeste vivem de atividades rurais, 50% da renda sendo retirada
da agricultura, ela só poderia sobreviver e desenvolver-se, se a agricultura
fosse compensadora, fosse produtiva. Infelizmente, não o é. E por que não é? Porque o latifúndio é o irmão siamês do
arcaísmo técnico. Nessas áreas latifundiárias se pratica uma agricultura
primária, uma ‘protoagricultura’, sem assistência técnica, sem adubação, sem
seleção, sem mecanização, e pelos processos mais rudimentares, exaurindo a
força do pobre sertanejo para produzir menos do que o suficiente para matar sua
fome.
O latifúndio nessa região é representado pelo fato estatístico
significativo de que, de 1940 a 1950, de acordo com o recenseamento demográfico
e agrícola, longe de diminuir o tamanho médio da propriedade agrícola, no Nordeste,
este tamanho aumentou e vem aumentando de tal forma que, hoje, no Nordeste,
apenas 20% dos habitantes das regiões rurais possuem terra; 80% trabalham como
arrendatários, como parceiros ou como colonos, porque a terra é monopolizada
por pequeno grupo. Para mostrar a que extremo chega esse monopólio, basta
referir o fato de que 50% da área total do Nordeste é açambarcada por 3% dos
proprietários rurais. Por outro lado, encontramos mais de 50% das propriedades
contendo mais de 500 hectares. Há centenas de propriedade de mais de 10.000
hectares... Não me parece justo, portanto, que se tanta ênfase a este fenômeno
da seca, porque há coisas muito piores do que a seca no Nordeste: o latifundiarismo e o feudalismo agrário,
por exemplo.
A seca é um fenômeno transitório
mas o pauperismo do Nordeste é permanente. Não bastam, portanto, medidas
transitórias de emergência, contra a suposta seca: são necessárias medidas de
profundidade, de forma estruturais que modifiquem realmente o arcabouço econômico
da região nordestina’.
Hoje estas ideias que tanto
alarido levantaram por sua heterodoxia, pelo ar de verdadeira heresia diante do
coro das ideias consagradas, fazem parte do repertório ortodoxo da consciência nacional.
Hoje todo mundo está de acordo, a exceção, apenas, da oligarquia feudal, que os
males do Nordeste derivam da exploração econômica aí implantada, que fez desta
área uma colônia de outra colônia. A princípio uma colônia de Portugal,
explorado colonialmente por outras potências europeias mais fortes e, depois,
colônia do Sul do Brasil, explorado colonialmente por várias potências de
economia dominante. Isto, hoje, todo mundo sabe e é contra isto que todo mundo
protesta”.
Atualizações
Estabelecimentos e área da Agricultura Familiar
Nordeste
Nº de estabelecimento _ área (ha)
2 187 295 28
332 599
Não familiar
266 711 47
261 842
fonte. IBGE censo 2006
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