No 1º de Maio de 2016, um salve ao BIOPODER CAMPONÊS
por *Tião Pinheiro, via rede cultural popular
Juquira Candirú Satyagraha
Na minha tenra
infância combati a felonia com a natureza, talvez por razões religiosas; A
coisa mais triste era encontrar um sapo com a boca costurada. Todos tinham
pavor do animal condenado pela ignorância a uma morte cruel, mas o pior é que
na comunidade a quase totalidade acreditava que não se podia chegar perto do
anfíbio por que “o mal”, inveja, despeito ou ódio podia pegar no incauto. Mas,
aprendi como Vô Nonô, um velho “ex-escravo”, que ao ver-me preocupado em
descosturar a boca de um sapo-boi, untanha (Ceratophrys ornata) preveniu-me a
jamais tocar na pele de qualquer sapo. “Use a folha de inhame (Colocasia sp.)
ou mamona (Ricinus sp), mesmo assim, depois lave bem as mãos com urina. A gosma
da pele do sapo é um veneno perigoso, embora alguns tardem muito tempo em
atuar, sempre leva à morte”. Como ele sabia tudo isso, se não sabia sequer ler?
Fiz de tudo para pertencer à sua Escola...
Vocês não imaginam
depois desses cuidados quantos sapos abri a costura e as coisas absurdas que
tirei de suas bocas: retratos, cabelo humano, pedaços de roupa, brincos, até um
batom.
Lavava o bichinho e
depois o levava para um lugar mais protegido. Aprendi a respeitar os batráquios
não pela deusa Heqet dos egípcios ou Chaac dos Mayas, mas por sua metamorfose
estranha para qualquer criança; embora tenha exultado na universidade quando
aprendi que algumas múmias incas traziam o sapinho de ouro indicativo de
precaução para quem viesse encontrá-los. Sábio Vô Nono.
Os livros dizem
que, Francisco Orellana foi um dos primeiros que relatam o uso do sapinho
“muiraquitã” pelas amazonas, talhado em jade (Amazonita) emblema da Juquira
Candiru Satyagraha.
Há uns trinta anos,
em uma das viagens de apoio ao agrônomo Nasser no Espírito Santo soube que ele
já encontrara no Hortão de Cachoeiro do Itapemirim minúsculos sapinhos
coloridos. Regeneração de espécies da Mata Atlântica. Repassei a ele o que
aprendera com o Vô Nonô. Nasser tinha amizade com Augusto Ruschi e sabia que o
cientista fora envenenado no Amapá ao coletar alguns sapinhos Dendrobatas para
um amigo cientista. Um dos sapinhos mais perigosos é o dourado Phyllobates
terribilis, que pelo que se sabe não existe na Mata Atlântica apenas na
Amazônia entre Colômbia e Panamá. A secreção da pele de apenas um sapinho de 3
cm de comprimento pode matar dez mil ratos ou 20 humanos adultos. O estranho é
que o veneno ele adquiri através de sua alimentação de um tipo de inseto
coleóptero popularmente conhecido como “burrinho” (Epicauta sp). No sertão do
Piauí estes insetos são atraídos pela luz e sua “urina”, secreção causa uma
queimadura terrível pelo que são chamados educadamente de “caga-pimenta”.
Seguramente os genes de formação no inseto e de transformação no anfíbio já são
de domínio para biossíntese de armas, e depois outros produtos comerciais.
Estava nesse
devaneio matinal quando recebi uma bonita carta do amigo João Batista Martins
de Rio Novo do Sul no Espírito Santo, quem não vejo há mais de 25 anos. Na sua
casa comi “Olho de Sogra” feito com carambola (Averrhoa carambola) e doce de
jaca (Artocarpus heterophyllus) e bolinho de fruta-pão (Artocarpus communis).
Sim é uma felonia destruir a natureza.
O trabalho feito
pelo Nasser era algo muito além de um Hortão, onde a Prefeitura Municipal
distribuía alimentos de altíssima qualidade para as obras sociais do município,
em especial a merenda escolar, sem nenhum alarde, ideologia ou coisa parecida,
em 1984, que serviu de modelo para a Lei do Estado de Santa Catarina para
merenda escolar.
Quando o prefeito
Valadão foi substituído, o novo prefeito Ferraço, quis destruir o Hortão, mas
ficou totalmente inerme, quando foi lhe dito que uma Associação Internacional
de Agricultura Orgânica sediada em Paris tinha 250 mil dólares para doar para a
manutenção do Hortão. Os olhos do político ficaram vitrificados.
Era parte do
trabalho do Nasser e do jornalista Ronald Mansur ajudar o MEPES – Movimento deEducação Promocional do Espírito Santo responsável por duas dezenas de Escolas
Famílias no sistema de alternância. Dizer que eles não tinham muito recursos é
eufemismo, pois eles careciam de tudo. Lembro que doei 400 livros Biotecnologia
Muito Além da Revolução Verde para o pagamento dos professores e serviços. Foi
assim que causei espanto ao amigo João Batista Martins quando estava assistindo
o casamento da filha dele na igreja. Ele exclamou espantado: “Sebastião dentro
da igreja”. Fama, fruto de ação sempre radical. Sorrindo respondi: Já fui
coroinha na minha infância, mas internamente lembrava as passagens do romance
épico “Beau Geste” de Percival Christopher Wren.
O tempo passou e o
Hortão antes de ser destruído pela vontade do Prefeito, recebeu da BBC de
Londres o Premio de uma das 4 melhores inovações tecnológicas no planeta no ano
de 1993. A sabedoria e ideologia no trabalho do Nasser não foi respeitada por
inveja, ódio, despeito e felonia.
O João B. Martins
foi vice-prefeito de Rio Novo do Sul está com 82 anos goza de boa saúde e já
tem bisnetos e já devolveu à Mata Atlântica dezenas de milhares de árvores
sendo reverenciado até nos Estados Unidos.
Naquele então, em
uma das visitas que fizemos à sua propriedade acompanhando o Nasser e o
Lutzenberger, ele contou a história que seu avô para evitar o corte das árvores
da propriedade colocava nas mesmas os nomes dos netos e nos fez plantar uma
árvore cada um. O Nasser plantou um “ipê amarelo” (Tabebuia chrisotricha), o
Lutz um “ipê roxo” (T. impetiginosa) e eu uma “Farinha Seca” que estudei como
Pithecellobium niopoides, uma Leguminosa Mimosoidae, mas hoje é Albizia
niopoides, Fabaceae, Mimosoideae, que os guaranis chamam de “Yvirá jy”. Vejam
pela foto que a mesma já superou os sete metros de altura e tem vinte centímetros
de diâmetro a altura do peito (Foto). Naquela época levei para o ES uns 10
quilos de sementes de Cinamomo gigante (Melia azedarach gigantea) por causa do
Aedes aegypti, que surgia, hoje elas devem ter mais de 60 cm de diâmetro.
Estive com o Nasser
e com o MEPES em Anchieta há três anos fazendo a cromatografia de Pfeiffer.
A “agricultura sem
venenos” sofreu solução de continuidade. Mudou de nome e adquiriu ideologia
revolucionária, embora patine há trinta anos sobre uma denominada “transição”
que nos faz lembrar-se de A. Chayanov e sua sarcástica novela: “Viagem do meu
irmão Alexei ao país da utopia camponesa”. Isso lhe custou cinco anos de
trabalhos forçados em um Gulag no Kazaquistão e depois foi fuzilado acusado
pela GRU (NKVD) de pretender formar o Partido Camponês no paraíso soviético de
Stálin. Somente em 1987 o cooperativista rural foi reabilitado.
Meu radicalismo nas
ações continua o mesmo, pois por de trás tem reflexões profundas e
planejamentos espirituais: A transição na agricultura é retardada pela vontade
dos “revolucionários” de plantão esperando a sua nova Ordem. Ignoram que fazem
o jogo das grandes corporações que nos últimos 20 anos vem estruturando,
organizando e se apropriando da agricultura sem venenos para a elite que pode
pagar mais caro. Por isso em todo o mundo, todas as iniciativas foram
transformadas em grandes conglomerados de bancos e monopólios como Nestlé,
Coca-Cola, Pepsi-Cola, Kellogs, Hein Celestial... O grande problema é que não
há folha de inhame ou mamona para evitar os venenos desses monstros...
Moral da história:
O J. B Martins ensina e permite a coragem de lembrar e ter árvores por
testemunhas na construção do biopoder camponês nesse primeiro de maio, que
estranhamente não é comemorado nos EUA, Canadá e Grã Bretanha talvez devido ao
Haymarkett Day (04 May 1886) (foto) quando a disputa pelas 8 horas de trabalho
foi tratada a bombas, tiros e condenas à morte e prisão perpétua. Vocês lembram
que muito recentemente Margareth Tatcher condenou prisioneiros irlandeses e mineiros
do carvão à morte em Greve de Fome.
Debout, les damnés
de la terre - Debout, les forçats de la faim - La raison tonne en son cratère -
C'est l'éruption de la fin. Salve o BIOPODER CAMPONES NO Primeiro de Maio.
* Escritor, Eng. Agrônomo e Florestal
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