06 de setembro 2013
por Sebastião Pinheiro
- Meus referenciais são Medo, Miséria e
Violência, alicerces de Humilhação e Servidão e os pontos propostos mundiais
hoje, são inclusões para consumo e mitigação sem reconhecimento ou
arrependimento, mas trampolim para a construção do Estado Mundial.
Os sequestrados em sua dignidade, humanidade e
espaço foram transformados em semovente de propriedades privadas ou Estado, sem
direito a espaço público ou esperança, mas herdamos sua insurgência. Sei que é
difícil se entender visceralmente isso, então repasso um relato de um chefe de
clã no oeste de Angola quase Zâmbia e Congo no final do Século XIX. Eles usavam
uma árvore frondosa, muito resistente, que produzia frutos muito saborosos e
folha igualmente comestível, além de madeira útil, a tamarindo, que eles
pensavam que não era uma árvore nativa, mas exótica, trazida da Índia. Por ser
longeva esta árvore era usada para transmitir a oralidade entre gerações e cada
grupo na tribo tinha o seu exemplar ancestral. Era cotidiano um adulto e uma
criança se aproximarem da árvore, e ele dizia que ela estava contando para ele
a longa história, épica, epopeia, mitologia, ética, comportamento, crenças e
costumes de seu grupo particular (consuetudinário).
Um dia chegou à comunidade um pastor anglicano,
acompanhado de autoridades coloniais e para facilitar sua catequese usou o
poder e mandou cortar todas as tamarindos... A comunidade em pouco tempo dispersou
sem referencial.
O raro é que o pastor, um ser culto, religioso
com o histórico da
escravidão, ágil assim. O comum é que os nativos adotaram a
árvore “exótica” além do estereótipo de natureza, cultura e fraternidade. O
novo sequestro, sem transporte trazia um açoite invisível, da mesma forma que
hoje, o mercado impõe o consumo, e, em castas determina na sociedade nacional e
mundial sua qualidade de cidadania. Há muitas formas de impor o medo, a
violência e a servidão, este é o terror de Estado. Uma lei pode expulsar da
senzala, infeliz espaço de sofrimento na propriedade privada, sem abrir espaços
públicos na sociedade, com mais terror, medo, violência e servidão tornando o
quadro Redenção de Can de Gómez y Grocos a pretensão fascista do Estado e governos.
A insurgência foi subir as ladeiras dos morros para cultivar bananas e poder se
inserir na sociedade através do trabalho, brava insurgência brasileira, que o
aumento de população e a escassez de espaço transformaram em favelas, para
deleite intelectual exótico elitista-eugentista, que consome ávido seu produto,
a cultura popular autóctone, irreverência e insurgência. Porque não se estuda
que mesmo aumentando a violência não perdemos a convicção da felicidade.
Redenção |
Estamos em uma universidade que se diz pública,
mas com cinquenta anos de idade fui aprender o porquê da feijoada, este Boccato
di Cardinale, feito com os as vísceras, restos e sobras não aproveitadas no
porquinho pururuca da Casa Grande. Vamos além, é interessante que não se ensina
tampouco que o arroz com feijão é uma dieta africana, considerada entre as mais
nutritivas e de baixo custo. Sim, quem introduziu o arroz na América foram os sequestrados e também o feijão. Hoje, o praticamente extinto arroz africano,
Oriza glaberrima é base secreta de grandes grupos como Rokefeller e Bill Gates
para garantir a Revolução Verde na África, por ser uma planta C4 que enfrenta a
mudança climática e as altas temperaturas... Ele foi domesticado há mais de 7
mil anos nas várzeas do Niger; da mesma forma que o feijão africano que nós
conhecemos como feijão fradinho, macassar ou feijão tropeiro, que na
Universidade de Indianna é considerado planta estratégica para o Terceiro
Milênio, por sua resistência à seca e calor. O grande mestre Milton Santos
disse haver encontrado em uma sala de aula muito mais estudantes negros no sul
dos EUA que em seus vinte e
cinco anos de aula na USP. Ele não se referiu a
George Washinton Carver, nome dado ao segundo submarino atômico dos EUA.
Desconhecemos quem foi este cientista procurado por Henry Ford para produzir o
combustível de seus automóveis e somos o país dos bicombustíveis. Aquele
cientista que salvou milhares de soldados norte-americanos na primeira guerra
mundial; introduziu vinte mil variedades de soja nos EUA em 1900.
Voltemos à casa. Antes de trazer Zumbi e a Serra
da Barriga, sou obrigado a trazer a saga do Almirante Abukbar, do Império do
Mali, que viajou por todo o rio Amazonas em 1322, conforme registros
históricos. Dizem que as inscrições nas pedras na confluência do Negro e
Solimões são de sua expedição, um século e meio antes de Colón. Hoje as
comunidades ribeirinhas estão mobilizadas, pois as inscrições nas pedras,
patrimônio da Unesco, correm riscos, contrariam os interesses da Coca-Cola que
é concessionária para a venda daquela água, em uma região que deve receber
acima de cinquenta milhões de refugiados ambientais organizados pelo Estado
Mundial Totalitário. Isto não pode sair na imprensa, nem discutido na academia
conforme.
Na Serra da Barriga, não houve problemas, até a
reclamação da Companhia das Índias Ocidentais de prejuízos pela concorrência no
comércio de produtos ao longo do Rio São Francisco. O bispo de Salvador foi o
interlocutor e tradutor entre os rebeldes e a milícia de bandeirantes que não
sabia o português e só falava tupi-guarani. O resultado foi o genocídio
econômico, social e cultural. O insurgente vê ao longo do tempo, que aquilo foi
um berço, onde indígenas se africanizaram, embora isto fique em segundo plano
para especialistas e acadêmicos. Hoje, em Jatobá, Petrolândia, Palmeiras dos
Índios há indígenas totalmente africanizados.
A relação é transcendental, descendentes dos remanescentes da Serra da Barriga serão moradores de Canudos duzentos anos depois e o mesmo massacre, onde as crianças sobreviventes do sexo feminino foram distribuídas nas casas de prostituição da região. Por favor, em Poço Redondo em Sergipe visitem a Serrade Zefa da Guia, na Serra que leva o seu nome. Fui lá aprender etnobotânica de plantas medicinais e religiosas.
Assim como a Nestlé faz barrinhas de chocolate para os flagelados do Sudão, a Coca-Cola se apropria a água do Amazonas. Este refresco era feito com o extrato de duas plantas a Coca nativa do Altiplano da Cordilheira dos Andes e Cola nítida, o cacau do Sudão, planta africana de alto valor medicinal.
A Coca sofreu um processo de extração de
principio ativo para uso militar que foi patenteada por uma corporação alemã.
Os holandeses a levaram para Bogor nas montanhas da Indonésia e a cultivaram
oficialmente, com uma riqueza em alcalóide até cinco vezes maior, que a planta
nativa dos Andes e manipularam o mercado de narcóticos até a Segunda Guerra
Mundial, quando o Prêmio Nobel Fritz Haber inventou a MDMA ou metanfetamina e a
substituiu na finalidade militar. A Coca-Cola, hoje, é feita com efluente de
fábrica de celulose, conhecido como licor de lignina, inventado pela Monsanto,
mas isso interessa o cidadão, não o consumidor.
Na extensão desta universidade tivemos a
oportunidade de levar estudantes para conhecer a escritura da doação de terras
feita pela Dona Quitéria na Casca em Mostardas, assistimos a ignorância e
arrogância de um procurador da República ameaçando um desesperado descendente
herdeiro ser ameaçado por juntar dinheiro para o pagamento de taxas no Incra
com medo de perder o direito por aquelas terras. Contudo não vemos o respeito à
aquela escritura que tem delimitação foi usurpada, roubada. Mas, para quê
direito, o que é cidadania, logo não há processo.
O mesmo ocorreu na Argentina, onde a milícia
denominada mazorca do ditador Rosas chacinou a população de africanos. Embora
eles fossem os mais aguerridos defensores de Buenos Aires na invasão inglesa e
constituíssem o Batalhão dos Morenos. Os poucos que conseguiram cruzar o rio da
Prata engrossam a comunidade uruguaia.
A maior preocupação do governo Bush Jr. na
Reunião das Nações Unidas em Joanesburgo em 2002 era a reivindicação dos
descendentes negros norte-americanos em recuperar suas terras, recebidas após a
abolição e que foram tomadas através de KKK e incêndio no registro civil de
terras. Houve casos de Cartórios de Registros de Terras terem sofrido até 18
incêndios no Sul dos EUA em menos de uma década após os anos trinta. Na
imprensa, nem uma linha...
Não há espaço para agricultores negros na
agricultura do Brasil, são raríssimos até mesmo os assentados pela Reforma
Agrária, nas universidades, que possuíam reserva de vagas para latifundiários
no interesse da Fundação Rockefeller, agora há a remediação com cotas, sem uma
avaliação fora do consumo. No vestibular há a frenesi dos selecionados. Na vara
criminal há o sentimento de dor de pais ao verem seus filhos debutando para a
outra universidade que lhes toca.
Para muitos o tempo passa rápido, e logo teremos
uma ascensão social, ninguém mais saberá que era proibido jogador negro na
seleção de futebol ou que alguns clubes obrigavam seus atletas a passar pó de
arroz no rosto para disfarçar sua origem...
Não é fora de propósito dizer: O genocídio
continua e os descendentes dos antigos sequestrados são mortos à bala antes de
alcançar a idade adulta, em todas as periferias das regiões metropolitanas.
O que mudou. Nada, apenas há um mercado de
consumo. Nada mudará enquanto não for banida a miséria, violência e humilhação.
- Fanáticos não têm dúvidas ou convicções, apenas
arrogância e violência na dimensão de sua ignorância. O poder sabe e impõe suas
políticas públicas de erosão da sabedoria e cultura. No controle da insurgência
usa corrupção e tortura (para separar o fanático do convicto) contra alienados
ou rebeldes para a construção do Estado Mundial Totalitário.
Com sabedoria chegamos até aqui. Agora a luta é
mais encarniçada interna e externa e nos obriga com convicção a um contraponto
muito mais forte, pela dignidade, fraternidade humana e consciência cósmica ou
noosfera. Para tal, possuímos espiritualidade genética. Uma homenagem à Roza
Pinheiro.
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