Josué de Castro |
Fome é uma palavra deslocada para a manipulação política, é como intercâmbio em notas de Jairo Restrepo (2003), sua dica de livro,
Susan George, Cómo moere la outra mitad del mundo. Sempre atento e correndo atrás deste livro encontro uma entrevista com a autora. Mas, tranquilo, temos Josué de Castro. Havia uma "agricultura" como a maior forma de regeneração do Capital pós-guerra. Walter Graziano, abraços! Segue a entrevista, abç
“A austeridade funciona muito bem para o que foi desenhada: transferir riqueza de baixo para cima”
Entrevista
com Susan George
Filósofa
e Analista Política, Presidente de honra da Associação pela Tributação das
Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos (ATTAC)
Marina Estévez
Torreblanca
El
Diario – Madri (Espanha)
27-01-2017
A tal “crise” econômica não é uma crise, é uma
enfermidade que está
sendo fomentada pelas políticas econômicas atuais
SUSAN GEORGE |
Em
2018, o movimento ATTAC [Associação
pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos] completa 20
anos. Nascido na França como grupo de
pressão a favor da introdução de uma taxa nas transações financeiras
internacionais (conhecida popularmente como Taxa Tobin), seu propósito é
organizar a sociedade civil para “frear a ditadura dos poderes econômicos,
exercida através dos mecanismos de mercado”. Em fins de janeiro, Madri
acolheu uma reunião da ATTAC
Internacional, com a participação de sua presidente de honra e do Transnational Institute de Amsterdã, Susan George. Esta lúcida filósofa e
analista política, nascida em Ohio (Estados Unidos), completa 82 anos (desde
1994, possui nacionalidade francesa) e é a autora da célebre distopia O
relatório Lugano [edição brasileira: Boitempo Editorial, 2002].
Eis
a entrevista.
Como
você acredita que as recentes decisões do novo presidente estadunidense Donald
Trump, em dinamitar diferentes tratados comerciais internacionais, podem afetar
o comércio internacional?
Susan George: Estou
encantada com o fato de Trump ter se livrado do Tratado Transpacífico (TTP), e espero que também faça o mesmo com o europeu TTIP [Acordo de
Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento]. Acredito que
provavelmente agirá assim, porque disse que quer estabelecer acordos
bilaterais. Caso se desfaça destes dois grandes
tratados, não acredito que prejudique o comércio mundial em absoluto,
porque não se tratava de comércio, mas
de dar mais privilégios regulatórios às grandes companhias transnacionais.
Caso chegue a acordos bilaterais, pode inclusive ser benéfico. Não digo que
todas as decisões econômicas (de Trump) sejam benéficas, mas você me perguntou
pelo comércio.
Nos
últimos meses, vivemos uma sucessão de vazamentos, como os Papéis do Panamá. Como você enxerga esta nova forma de conhecer os
desmandos das empresas para sonegar impostos?
Susan George: É muito boa, os jornalistas realmente estão fazendo seu
trabalho. Agora, centenas de milhares de pessoas podem compreender melhor o
que significa um paraíso fiscal e como funciona, e como estão roubando dinheiro que pertence aos cidadãos. Por
exemplo, na França foi realizado um
estudo parlamentar que mostra que entre
60 e 80 bilhões de dólares desapareceram dos fundos do Tesouro. Impostos que não foram pagos porque
transferências que teriam que ter sido feitas no país não foram realizadas. A
maioria das pessoas não soube destas coisas até que foram publicadas nos
jornais. Graças aos vazamentos, como “Os
Papéis do Panamá”, muita gente sabe que estão roubando, diretamente, de seus
hospitais, de seu transporte público.
Uma
das razões da desigualdade é que as multinacionais não estão pagando todos os
impostos que deveriam.
Susan George: Tenho um amigo que é fiscal
da receita aposentado, e lhe fiz essa pergunta há muitos anos: “As transnacionais estão pagando todos os
impostos que devem?”. E me respondeu: “Sempre
pagam algo, mas pagam o que querem”. Deveriam dizer em cada país que
operam, quais são seus volumes de vendas, quais são seus benefícios, quantas
pessoas possuem empregadas, o básico, e então podemos decidir quanto precisam
pagar. Não seria tão difícil, resolveria
muitas coisas, mas não temos os instrumentos legais adequados para isso. E
Trump, provavelmente, irá fazer com que continue sendo assim.
Vários
países, entre eles a Espanha, disseram que estariam dispostos a implementar uma
taxa às transnacionais financeiras internacionais, uma espécie de taxa Tobin
como a que é defendida pela ATTAC. Você considera este cenário possível?
Susan George: Infelizmente, foi a França,
meu país, quem evitou que fosse implementada no passado. Mas, parece-me muito
positivo que a Espanha tenha se mostrado a favor. Em algum momento, terão que
aplicá-la, porque novamente voltamos à questão de que nossas reservas estão sendo roubadas. Assim que as pessoas ficam
sabendo, pensam que seu dinheiro pode ser melhor utilizado do que ir para o
bolso dos mais ricos do mundo.
Por
isso, a informação é tão importante. Quando eu comecei no ativismo e na
política, dizíamos “devem sair do Vietnã”. E as pessoas talvez estivessem de
acordo, ou talvez não, mas sabiam do que você estava falando. Agora, as
respostas são mais longas e complexas. A informação é muito importante e é
muito importante seguir repetindo-a.
CÍRCULO VICIOSO DA AUSTERIDADE |
Os
índices de desigualdade estão crescendo, até mesmo quando nossos governos falam
de aumento do PIB. Acredita que é possível dizer que a crise econômica faça
parte do passado?
Susan George: É que não acredito que seja
uma crise. Uma crise significa algo terminal, significa que você irá se
recuperar ou irá morrer, mas não dura nem dez anos. Isto não é uma crise, é uma enfermidade que está sendo fomentada pelas
políticas econômicas atuais. Na realidade, a austeridade funciona muito bem para o que foi desenhada: transferir
riqueza de baixo para cima. E nos convenceram que é o melhor resultado. [Inclusive aqui no Brasil!]
Qual
a sua opinião a respeito da ideia de que o desemprego é criado pelos governos e
pelos poderes para manter as pessoas com medo, para que não se rebelem?
Susan George: Não sei se é deliberado
criar medo. Mas, ouvi uma palestra de Tony
Benn (um destacado deputado trabalhista britânico, falecido em 2014) na
qual começava dizendo: “o medo é a
disciplina da economia capitalista”. É uma maneira muito elegante de
afirmar isto. Se os governos apostam nisso, não sei, porque teriam muito mais
êxito e seriam reeleitos, caso lutassem contra o tipo de desigualdade que
vivemos em nossos países.
Em meados dos anos 1970, na Europa, as rendas do trabalho eram 70% e as do
capital 30%. Agora, as rendas do
trabalho são 60% e as do capital 40%. Sendo assim, perdeu-se 10% da riqueza no bolso das pessoas. Os 10% do PIB europeu
representam algo como 1,6 trilhão. É muito dinheiro que não vai para o consumo
e o investimento europeus, e que não pagará impostos por isso.
Desse
modo, não é um mistério que nos últimos
anos as pessoas tenham menos para gastar, que as pessoas estejam com pouco
dinheiro. Então, a pergunta é pertinente: Os governos fazem esta aposta ou
não sabem economia? O certo é que há uma
economia equivocada (a da austeridade) que se converteu em bíblia. E para
convencer [a respeito] dela, há enormes investimentos em think tanks, em livros, artigos, tribunas universitárias, juízes,
instituições religiosas.
Gramsci, nos anos 1920, já disse: “você pode ganhar por meio da violência,
mas também por meio de suas cabeças. E para fazer isso precisa usar as
instituições”. E isso é o que a esquerda
não entendeu e a direita, sim. A
esquerda acredita que suas ideias são tão esplêndidas que não é necessário
defendê-las (somos generosos, somos simpáticos, defendemos os direitos
humanos). Contudo, o problema é que a
direita conseguiu enfatizar estas questões de modo que disseram às pessoas e
lhes convenceram: “Se você não possui
trabalho e é pobre, a culpa é sua. Você não é organizado e merece o que tem”.
Grande parte desta mensagem foi
interiorizada.
No
que se nota?
Susan George: No momento, há pessoas que
estão se rebelando, mas a maioria vota
contra seus interesses, vota em
Trump. Todo o seu Gabinete provém
das grandes empresas. Mas, as pessoas comuns votam assim, acreditam que é
por seu interesse. O Brexit [a saída
do Reino Unido da União Europeia] é parecido. Acredito que as pessoas comuns têm uma ideia equivocada do que
acontecerá lá, porque as leis sociais britânicas são piores que as
europeias, ao passo que o salário mínimo, horas extras, em aspectos sociais,
vão piorar, mas provavelmente votaram
por medo da imigração, ainda que estejam equivocados. [Aliás,
o MEDO é um dos maiores e mais utilizados
instrumentos da direita mais radical! É o medo do estrangeiro, do
desemprego,
da competição, da religião diferente etc., que faz votar em candidatos
que se apresentam como os "salvadores", aqueles que "resolvem", "mandam e
acontece"!]
Traduzido do espanhol pelo CEPAT (com correções efetuadas por Telmo José Amaral de Figueiredo).
Acesse a versão original desta entrevista, clicando aqui.
Fonte: Instituto
Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 31 de janeiro de 2017 – Internet:
clique aqui.
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GEORGE, Susan. O mercado da fome: as verdadeiras razões da fome no mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
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