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"Harmonizo meus pensamentos para criar com a visão". "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível".

domingo, 12 de maio de 2013

Retrospectiva José Lutzenberger III

Série de textos importantes deste empreendedor ecológico que precisa ser lida pelas gerações a frente. Um crítico construtivo ao modo degradante do desenvolvimento crescente do império. José Lutzenberger enxergava longe; sem dúvida, um gênio que defendeu o Brasil.


Vale a pena ter um jardim?

Já não é necessário ser naturalista para ver que nossas cidades são monstruosas. Todos começamos a sentir que o que chamamos "progresso" é, na verdade, uma corrida grotesca que nos torna cada dia mais neuróticos e desequilibrados.

Necessitamos de compensações. O jardim pode ser uma destas compensações. Além de contribuir substancialmente para a saúde do corpo e da alma, a jardinagem poderá constituir ocupação de grande valor educativo, pois nos fará sentir a Natureza, da qual estamos tão alienados. Mesmo quando praticada em escala mínima, a jardinagem restabelece um certo elo entre o homem e a Natureza, abrindo-nos os olhos para seus mistérios. Tivéssemos mais jardins, públicos e privados, seria mais amena e menos embrutecedora a vida nas cidades.

Fazer ou não um jardim que cumpra tão importantes funções depende menos dos meios de que se dispõe do que da própria inclinação e disposição diante da tarefa. Quem é muito rico e dispõe de muita terra é claro que poderá, se quiser, fazer um imenso parque, com paisagismo esmerado. Mas com meios muito modestos também se pode fazer muita coisa, não menos interessante. Grande contentamento e paz de espírito pode-se obter com meios irrisórios. Há os que sabem fazer jardins fascinantes em poucos metros quadrados e que obtêm imensa satisfação no cuidado que lhes dispensam. Até no balcão de uma janela pode-se cultivar um pedaço de natureza, e mesmo num pequeno aquário pode surgir um jardim submerso encantador. A Natureza oferece um sem número de possibilidades. Quem sabe observá-la e tem imaginação nunca cansará de maravilhar-se diante dela. Sempre descobrirá coisas novas e surpreendentes. Aprenderá a deleitar-se com ela. Assim como eu posso gostar de jardins grandes e variados ou de árvores centenárias com seu vestido de epífitas, posso também deleitar-me com a arte do bonsai, que consiste em cultivar miniaturas de árvores. Em São Paulo, temos um grupo de japoneses que trouxe de seu país esta tradição. São grandes artistas. Alguns possuem exemplares de indescritível beleza. Estas miniaturas passam de pai a filho. Há os que possuem bonsais de 300 ou 400 anos. Dedicam muito tempo, paciência, amor e carinho a suas plantas. Devem obter tremenda satisfação e paz de espírito nesta arte.


Em nosso País, temos uma flora exuberante - ainda exuberante, porque, da maneira como hoje a combatemos, em poucos anos já não sobrará muita coisa. Nossa flora é uma das mais ricas do mundo. Temos uma infinidade de plantas e comunidades florísticas preciosas que poderiam ser protegidas ou cultivadas. Há campo para especialistas e para generalistas, para os que gostam de dedicar-se a um só grupo de plantas como para os que preferem ambientes complexos. Para os primeiros oferecem-se as orquídeas, cactáceas, bromeliáceas, suculentas ou samambaias, musgos, aráceas, plantas aquáticas ou carnívoras e muitas, muitas outras. Para quem gosta de ambientes harmônicos, os nossos ecossistemas naturais oferecem exemplos de formas e combinações as mais diversas.



O que nos falta é a mentalidade para ver a beleza do nosso mundo. Somos cegos diante da Natureza. Se o homem industrial moderno está, em geral, alienado da Natureza, entre nós esta alienação atinge seu clímax. Predomina entre nós o esquema mental do caboclo que, quando lhe perguntei pelo nome popular de uma determinada planta silvestre, me olhou muito surpreso e respondeu: "Mas isto não é planta. Isto é mato!". Usava a palavra "mato" com entonação profundamente depreciativa. Eu quis saber então sua definição de "planta" e de "mato". Deu-me um olhar ainda mais incrédulo e condescendente e explicou que "mato" era tudo aquilo que vingava sozinho, que não prestava, que devia ser exterminado, e que "planta" era o que se cultivava, o que tinha valor, que dava dinheiro. Quando me afastei, tive a impressão de que ele me considerava um pobre louco, por não saber fazer distinções tão evidentes.

Quem tem este esquema mental nunca saberá, é claro, fazer um jardim realmente interessante, nem terá vontade para tanto. Fará, quando muito, um jardim convencional, do tipo que predomina entre nós, com canteiros geométricos, de preferência rodeados de concreto e com plantas desfiguradas pela tosa ou poda mutiladora. Quando enxergar uma árvore velha coberta de belíssimas epífitas, só pensará em como limpá-la de suas "parasitas". Nos loteamentos, preparará o terreno pela terraplenagem violenta, arrasando tudo o que é natural, para então construir as casas em uma paisagem lunar onde, para fazer um jardim todo artificial, terá que trazer terra vegetal de outro lugar, causando assim mais uma depredação no mato natural em que obtém esta terra.

Só saberá fazer um jardim que lhe proporcione realmente satisfação e serenidade aquele que aprende a amar de fato a Natureza, porque este se dedica pessoalmente às suas plantas. Nunca entregará seu jardim aos que vêm armados com serrote e tesoura de podar e que si dizem jardineiros, mas que são apenas massacradores de plantas. Só quem faz de seu jardim um hobby poderá dele tirar prazer compensador.

Não temos demonstrado a mínima sensibilidade nem reverência pelas coisas da Natureza. Já houve entre nós os que ofereciam "concreto verde" para aqueles que reclamavam mais verde. Nossas árvores urbanas estão todas em estado deplorável, por causa da absurda moda das mutilações periódicas, geralmente praticadas pela própria administração pública. Em ambientes como este, é difícil que floresça uma cultura jardinística como a que podemos observar em alguns países europeus.

Mas nunca é tarde para começar.

José Lutzenberger
Fevereiro de 1999

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