foto: Oliver Blanco |
...estar presente diante do seu olhar foi mesmo uma bênção. Suas palavras emociona, cativa e o máximo que pude fazer foi gravá-las no peito, tirar algumas fotos e continuar a lutar, agora, muito mais inspirado, abençoado e vivo. Agroecologia nossa luta! Agradecido Vandana. Grato Péricles.
Perante uma atenta plateia composta
por mais de 3 mil pessoas, a renomada cientista indiana Vandana Shiva (foto) fez uma palestra de uma hora,
respondeu a perguntas e encantou a todos com suas ideias, experiências e
convicções, durante a abertura do III Encontro Internacional deAgroecologia, no dia 31 de julho, na cidade de Botucatu, interior de São Paulo.
A reportagem é de Péricles de Oliveira, publicada no jornal Brasil de Fato, 06-08-2013.
Vandana foi muito contundente ao longo de toda a sua fala. Começou
contando de sua vida, de como havia estudado biologia e física quântica na
universidade e de como se considerava uma pessoa alienada da realidade do
mundo.
Esclareceu que o choque que a fez
despertar foi um grave acidente ocorrido, 30 anos atrás, numa fábrica de
pesticidas – que resultou numa tragédia, com a morte de mais de 35 mil
indianos. A partir daí, é que ela acaba se convertendo à causa do povo e não
para mais de pesquisar a ação das empresas transnacionais sobre a agricultura.
Hoje, ela é considerada uma das
principais pesquisadoras dos malefícios para a saúde humana e para a destruição
da biodiversidade que as sementes transgênicas e os agrotóxicos das empresas
transnacionais vêm causando em todo o mundo.
“Revolução Verde”
Vandana falou sobre as consequências da chamada Revolução Verde, imposta
pelo governo dos Estados Unidos, na década de 1960, a toda a sua área de
influência como forma de vender mais insumos agroquímicos e suas mercadorias
agrícolas.
O resultado disso – o de subjugar
países e camponeses – pode ser visto hoje, já que 65% de toda a biodiversidade
e dos recursos de água doce do planeta foram contaminados por agrotóxicos.
Além disso, há estudos comprovando
que 40% de todo o efeito estufa que afeta o clima no planeta é causado pelo uso
exagerado, desnecessário, de fertilizantes químicos na agricultura. Chegou a
dizer, inclusive, que em muitas regiões da Europa, em função da mortandade e
desaparecimento das abelhas, a produtividade agrícola já teria caído 30%.
A indiana atentou para o fato de que
se fôssemos calcular os prejuízos e custos necessários para repor a
biodiversidade e reequilibrar o meio ambiente com vistas a amenizar os
desequilíbrios climáticos, eles seriam maiores, em dólares, do que todo o
comércio de commodities que as empresas realizam.
Genocídio
Em relação à ação das empresas
transnacionais que atuam na agricultura como Monsanto, Bunge, Syngenta e Cargill– também não
poupou críticas. Denunciou que elas controlam a produção e o comércio mundial
da soja, milho, canola e trigo. E que fazem propaganda enganosa dizendo que a
humanidade depende dos alimentos produzidos pelo agronegócio para sobreviver,
quando na prática a humanidade se alimenta com centenas de outros vegetais e
fontes de proteínas, que elas ainda não puderam controlar.
Disse que essas “empresas, ao
promoverem as sementes transgênicas, não inventaram nada de novo. Não
desenvolveram nada. O único que fizeram foi fazer mutações genéticas que
existem na natureza para viabilizar a venda de seus agrotóxicos”.
Citou que a Monsanto conseguiu controlar a produção de algodão
na Índia, apoiada por governos subservientes, neoliberais, e que hoje 90% da
produção depende de suas sementes e venenos. Com isso houve uma destruição do
modo camponês de produzir algodão e um endividamento dos que permaneceram.
A conjunção do alto uso de venenos
intoxicantes que levam à depressão e a vergonha da dívida fez com que, desde
1995 até os dias de hoje, houvesse 284 mil suicídios entre os camponeses
indianos. Um verdadeiro genocídio escondido pela imprensa mundial e cuja
culpada principal seria a Monsanto.
Apesar de tantos sacrifícios humanos,
a Monsanto ainda recolhe em seu país 200 milhões de
dólares anuais, cobrando royalties pelo uso de sementes geneticamente
modificadas de algodão.
Commodities não são alimentos
O modelo do agronegócio é apenas uma
forma de se apropriar do lucro dos bens agrícolas, mas ele não resolve os
problemas do povo. Tanto é que aumentamos muito a produção, poderíamos
inclusive abastecer 12 bilhões de pessoas [quase o dobro da população mundial],
mas, no entanto, temos 1 bilhão de pessoas que passam fome todos os dias, sendo
500 milhões delas camponesas que vivem no meio rural e que tiveram seu sistema
de produção de alimentos destruído pelo agronegócio.
As commodities agrícolas são meras
mercadorias agrícolas, não são alimentos. Cerca de 70% de todos os alimentos do
mundo ainda são produzidos pelos camponeses. É preciso entender que alimentos
são a síntese da energia necessária que os seres humanos precisam para
sobreviver, a partir do meio ambiente em que vivem, recolhendo essa energia d a
fertilidade do solo e do meio ambiente.
Quanto maior a biodiversidade da
natureza, maior o número de nutrientes e mais sadia será a alimentação
produzida naquela região para os humanos. E o agronegócio destrói a
biodiversidade e as fontes de energia verdadeiras.
As empresas lançam mão de um fetiche
gerado pela propaganda, de que estão usando modernas técnicas de biotecnologia
para aumentar a produtividade das plantas, mas isso é um engodo. Quando se vai
pesquisar o que são tais biotecnologias, elas são guardadas em segredo. Porque,
no fundo, elas não mudam nada na natureza. São apenas mecanismos para aumentar
a rentabilidade econômica das grandes plantações.
Na verdade, a agricultura industrial
é a padronização do conhecimento, é a negação do conhecimento sobre a arte de
cultivar a terra. Porque o verdadeiro conhecimento é desenvolvido pelos
próprios agricultores, e pelos pesquisadores, em cada região, em cada bioma, em
cada planta.
Consumidores
O modelo do agronegócio quer
transformar as pessoas apenas em “consumidores” de suas mercadorias. Vandana nos diz que devemos combater o uso e o
reducionismo da expressão “consumidores”, que devemos usar o termo “seres
humanos”, pessoas que precisam de uma vida saudável. “Consumidor” indica uma
redução subalterna do ser humano.
As empresas do agronegócio dizem que
são o desenvolvimento e o progresso. Na prática, chegam a controlar 58% de toda
produção agrícola do mundo, porém, dão trabalho para apenas 3% das pessoas que
vivem no meio rural. Portanto, o agronegócio é um sistema antissocial.
A indiana revelou ainda que fez parte
de um grupo de 300 cientistas de todo mundo que se dedicam a pesquisar a
agricultura e que após realizarem diversos estudos, durante três anos,
comprovaram que nem a Revolução Verde imposta pelos Estados Unidos, nem o uso
intensivo das sementes transgênicas e dos agroquímicos podem resolver os
problemas da agricultura e da alimentação mundial. Algo que só pode acontecer
por meio da recuperação de práticas agroecológicas que convivam com a
biodiversidade, em cada local do planeta.
Vandana concluiu sua crítica ao modelo do agronegócio dizendo que ele
projeta a destruição e o medo, porque é concentrador e excludente. Por isso,
tornou-se algo comum o costume dessas empresas ameaçarem ou cooptarem os
cientistas que se opõe a elas.
A saída é a agroecologia
Após criticar duramente o modelo do
capital, a cientista dedicou sua palestra a projetar as técnicas ou o modelo de
produção da agroecologia como a alternativa popular e necessária para produção
de alimentos.
Defendeu que o modelo da agroecologia
é o único que permite desenvolver técnicas de aumentar a produtividade e a
produção sem a destruição da biodiversidade.
Que a agroecologia é a única forma de
criar empregos e formas de vida saudáveis para a população permanecer no campo
e não ter de se marginalizar nas grandes cidades. Sobretudo, fez a defesa de
que os métodos da agroecologia são os únicos que conseguem produzir alimentos
sadios, sem venenos.
Dificuldades da transição
Quando perguntada sobre as
dificuldades da transição entre os dois modelos, contestou, citando a Índia:
“Nós já tivemos problemas maiores na época do colonialismo inglês. No
entanto, Gandhi nos ensinou que a nossa fortaleza é sempre
‘lutar pela verdade’, porque o capital engana e mente para poder acumular
riquezas. Mas a verdade está com a natureza, está com as pessoas”.
Dessa energia que emana de Gandhi, Vandana reforçou:
“Se houver vontade política para fazer a mudança, se houver vontade para
produzir alimentos sadios, será possível cultivá-los”.
Vandana concluiu conclamando a todos a se envolverem e participarem
do Encontro Mundial de Luta Pelos Alimentos Sadios e Contras as
Empresas Transnacionais que a Via Campesina, os
movimentos de mulheres e centenas de entidades realizam todos os anos, na
semana de 16 de outubro. “Precisamos unificar as vozes e as vontades em nível
mundial. E essa será uma ótima oportunidade.”
Recomendações
Quando perguntada sobre as
recomendações que daria aos jovens, aos estudantes de agronomia, aos
agricultores praticantes da agroecologia, Vandana Shiva elencou
seis pontos:
Primeiro: disse que a base da agroecologia é a preservação e a valorização dos
nutrientes que há no solo. Neste instante, a indiana fez referência a outra
cientista presente na plateia que a assistia muito atenta, a professora Ana Maria Primavesi. “Precisamos ir aplicando as
técnicas que garantam a saúde do solo, e dessa saúde, recolheremos frutos com
energia saudável.”
Segundo: estimular que os agricultores controlem as sementes. As sementes são a
garantia da vida. “Nós não podemos permitir que as empresas transnacionais
transformem nossas sementes em meras mercadorias. As sementes são um patrimônio
da humanidade.”
Terceiro: precisamos relacionar a agroecologia com a produção de alimentos
saudáveis que garantam a saúde e assim conquistar os corações e mentes da
população da cidade, que está sendo cada vez mais envenenada pelas mercadorias
com agrotóxicos. “Se vincularmos os alimentos com a saúde das pessoas,
ganharemos milhões de pessoas da cidade para a nossa causa.”
Quarto: precisamos transformar os territórios em que os camponeses têm
hegemonia em verdadeiros santuários de sementes, de árvores sadias, de cultivo
da biodiversidade, da criação de abelhas, da diversidade agrícola.
Quinto: precisamos defender a ideia que faz parte da democracia, a liberdade
das pessoas de terem opções de alimentos. Elas não podem mais serem reféns dos
produtos que as empresas colocam nos supermercados de acordo com a sua vontade
apenas.
Sexto:
precisamos lutar para que os governos parem de usar dinheiro público – que é de
todo o povo – para subsidiar, transferir esses recursos para os fazendeiros.
Isso vem acontecendo em todo o mundo e também na Índia. O modelo do agronegócio
não se sustenta sem os subsídios e vantagens fiscais que os governos lhes
garantem.
Monoculturas da Mente, foto: by Diego Barbosa (Micuim) |
4 comentários:
PARABENS PELO ARTIGO!
Créditos ao Péricles de Oliveira. Alexandre e Alana obrigado. Muito bom mesmo o artigo. Vandana sabe o caminho do bem e luta em defesa do Planeta.
Abraços
Oliver
Muito bom,parabéns.
Te amo, beijos.
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