Entrevista
A fala foi durante a feira agroecológica e de economia solidária
Publicado em: 24 de maio de 2018 16h05min
/ Atualizado em: 25 de maio de 2018 07h05min
Durante atividade formativa da Feira Agroecológica e de Economia
Solidária da UFFS realizada na última semana, o professor Sebastião
Pinheiro falou sobre os desafios contemporâneos de uma agricultura
agroecológica no Brasil. Aproveitamos a passagem do pesquisador para
fazer uma entrevista com ele sobre a temática.
UFFS: A migração para um sistema de produção agroecológico não é simplificado se pensarmos em como, historicamente e socialmente, se constituiu o agronegócio no Brasil. Como resgatar o sentido amplo de agricultura (cultura, valores, natureza, etc...)?
Sebastião Pinheiro: O problema mais sério que vemos é o momento que perdemos a noção do valor da palavra “Agricultura” e o que ela engloba. Um substantivo por si só que não precisa de nenhum acompanhamento ou complemento. Quando você substitui ela por “Agronegócio” é obvio que esta vontade, essa ordem, tem um impacto muito grande. Não imaginamos o que o agricultor perde com isso. Sendo o agricultor um sujeito que não tem aquele status devido na sociedade, quando perde seu patamar de representação seu trabalho é rebaixado ao plano de simples negócio, não é nem social nem natural. No momento que acontece isso precisamos trabalhar a questão semântica. Precisamos pensar que a agricultura é um tempo humano conquistado na natureza, e essa transformação nos fez criar muitas espécies agricultáveis nos últimos seis mil anos. E de repente uma empresa se apropria desse status e passa a ser dona de todo esse processo histórico. Então como fica a agricultura? Quando um agroecologista se reúne e começa a mostrar à juventude e à sociedade ou a um trabalhador urbano que existe um caminho e um futuro é algo mais que esperança, é uma palavra muito bonita chamada “respeito”.
UFFS: Atualmente, em tempos de gourmetização, o produto orgânico virou um produto de elite, mais caro. É possível pensar esse contexto como parte, ou resultado, de uma ideologia dominante, instaurada e defendida pelas grandes indústrias do agronegócio?
SP: No momento que vemos uma gourmetização de alimentos quero levantar outro termo criado pelo socialista francês Charles Fourier chamado gastrosofia (filosofia do bem comer), muito longe de ser a gourmetização do alimento, uma forma extremamente elitizada – quem tem dinheiro pode comer. Isso não é cultura, isso é consumismo, moda e alienação. Nós temos que evitar isso, porque se nós queremos falar em um alimento produzido com utilização de veneno não tem a qualidade intrínseca que beneficia nossa saúde. Ele tem um resíduo que por uma convenção empresarial/banqueira se torna tolerável. Desde quando existe este paradoxo de que um alimento tem de ter veneno. Ao contrário, o alimento precisa ser uma coisa que é fundamental: sagrado. A função do agricultor é de produzir a sua energia como uma força sagrada. Não há esse respeito, então vem a gourmetização.
UFFS: Que estratégias de enfrentamento são possíveis?
SP: Existem estratégias e são fáceis. Uma das coisas que vocês devem ter notado é que não há contraponto a matérias jornalísticas sobre as questões “o agro é pop sozinho”, “o agro é tech sozinho”. Nós só precisamos sair de nosso conforto ou comodidade porque toda comodidade leva à alienação e é cara pelo que destrói, inclusive culturas. Então nós temos que tomar consciência como ponto inicial e driblar a alienação. Falar que o caminho é “por aqui”. A única forma de driblar alienação não é com repressão, é com educação, um processo que faz parte do nosso dia a dia. Esse processo de conscientização pode demorar uma, duas ou mais gerações.
UFFS: A UFFS tem defendido o não uso de agrotóxicos no ambiente da Instituição, inclusive em pesquisas nas áreas experimentais. Qual sua opinião a respeito?
SP: É algo bastante interessante que ocorre na sociedade brasileira quando um órgão de comunicação induz uma questão e esta questão passa a ser um problema conceitualmente existente. Há uma resposta da sociedade, normalmente de movimentos sociais, e não há uma resposta de governo, que representa os dois segmentos. Então fica um falso dilema entre a necessidade ou não de um tipo de ensaio. Cito o exemplo da Alemanha. Lá, se alguém quiser fazer um ensaio de agrotóxico o primeiro detalhe que precisa passar é pela autorização do Estado. Existe uma certa proteção para as universidades alemãs que pretendem realizar qualquer pesquisa nesta área. No Brasil, isto não existe. Então corre-se o risco da empresa ter mais poder que o Estado. Então precisamos de ter este tipo de intervenção do Estado nos interesses do próprio estado. Temos de ter um ritual para se ter proteção àquele que fez a pesquisa, favorável ou contra, para que toda a sociedade esteja representada.
A liberdade de pesquisa não obriga o pesquisador a servir fora do Estado. A ciência dele tem autonomia mas a soberania é do Estado. O pesquisador terá de se adaptar às normas estabelecidas. Na Alemanha é assim. Aqui no Brasil o pesquisador quer ter essa liberdade “fantástica”, assinando o seu laudo sem o selo da universidade.
Estamos entrando numa situação de corporação, e nós não fazemos parte de corporações, sejam elas para que finalidade for.
Feira recebe moção de parabenização
Nesta quinta-feira (24) a Feira Agroecológica e de Economia da Solidária da UFFS também recebeu uma moção de parabenização. A moção foi proposta e entregue pelo vereador de Chapecó, Cleber Ceccon, ao pró-reitor de Extensão e Cultura, Emerson Neves da Silva.
A Feira acontece toda quinta-feira, a partir das 17h, na sede da Reitoria da UFFS.
Fonte: Universidade Federal da Fronteira Sul
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