29 de agosto de 2020, inverno/Brasil. Por Dr. Prof. Sebastião Pinheiro
Em 1952, O Movimento Nacionalista Revolucionário, da Bolívia fez jus ao nome e implantou o governo de Victor Paz Estenssoro, que destruiu o sistema feudal através da Reforma Agrária. Contudo, junto à terra entregue ao assentado vinha a embalagem de DDT, pulverizadores, sacos de fertilizantes solúveis e sementes híbridas do Grupo Rockefeller, além de sua Extensão Rural da General Education Board. Presente a este momento, um jovem motociclista argentino, recém formado médico observa, lapida o seu comentário ácido: “O MNR está fazendo a revolução do DDT”, nove meses depois ele vai participar do governo Jacobo Arbenz na Guatemala, onde as “bananeiras” de Rockefeller com campanhas publicitárias de Edward Barneys (o Steve Bannon da época), C.I.A e paramilitares trucidaram os camponeses indígenas durante os últimos 70 anos, com mais de meio milhão de mortos.
No Brasil, em 1964, o Ministro da Agricultura Prof. Hugo Leme, o primeiro da ditadura brasileira, impôs os mesmos interesses mercantis de Rockefeller, com a obrigatoriedade da análise de solo, uma medida tecnológica respaldada como “política pública”, nada mais que criação de subsídios aos interesses corporativos de insumos (máquinas, fertilizantes, sementes & agrotóxicos) de forma compulsória, via o banco oficial, que levava à dolarização da agricultura nacional sob controle total do exterior. forma oculta de subsidiar a “Guerra Fria” (FMI), nas sombras o mesmo Grupo Rockefeller e sua Fundação.
Seu maior êxito foi aumentar a concentração da
propriedade e posse da terra em mãos de latifundiários, destruindo as
expectativas nativas, camponesas, de populações tradicionais e colônias
(agricultores familiares), atendendo os interesses da Tradição, Família e
Propriedade (TFP), organizadora da instalação da ditadura com auspícios da
“Aliança para o Progresso”, “Peace Corps”, etc.
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Não era permitido sequer pensar em outra agricultura, diferente da “moderna”, ensinada nas escolas técnicas e universidades, pelos Ph. D criados pelas Fundações Ford, Rockefeller e Kellog`s, na América Latina denominada de “Revolução Verde”, para frear a Revolução Vermelha de 1949 dos camponeses chineses.
Hoje a China domina o mundo e o INTA argentino diz com honestidade, não há na Argentina engenheiros agrônomos que saibam fazer outra agricultura e no Brasil, sinceramente, é bem pior.
Naquela época já existia e era oficial pela Academia dos EUA o método de análise de solo através da Cromatografia de Pfeiffer, que os professores Arthur e Anna Primavesi (R.I.P) conheciam e podiam praticar, assim como muitos outros, pelo que eles foram aposentados pelo AI-5, por serem suas ideias subversivas ao interesse corporativo.
Na parte submersa do iceberg de dominação estava o mesmo benefício corporativo às Centrais de Abastecimento com o mesmo fim, dinheiro público e extração da mais valia camponesa para fins hegemônicos internacionais. O tempo passou, consolidou o sistema autoritário e chegamos à Nova Ordem Imperial da AMI e OMC como o Agronegócios (Agribusiness).
Agribusiness (agronegócios) são os negócios da produção agrícola, um neologismo ou acrônimo de agricultura e negócios, cunhado em 1957 por John Davis e Ray Goldberg e inclui tudo relacionado à produção primaria, como dependente da Indústria de Alimentos.
Agricultura é um tempo sobre o território para a produção de alimentos de cinco espécies ultrassociais (cupins, formigas, abelhas, topos pelados e a mais recente é a humana), desde 135 milhoes de anos atrás praticando a agricultura como atividade como trabalho de classe e gênero. Estas cinco espécies, que se organizam em sociedade com divisão total do trabalho, onde todos se alimentam a partir do trabalho de uma classe especializada que faz a agricultura. No caso humano esta classe são os camponeses ou agricultores. Elas ao abandonar este espaço a natureza voltam a recuperar sua fisionomia e metabolismo.
A definição ultrassocial impede o neologismo criado agribusiness ou agronegócios, que etimologicamente significa “negação ao ócio” na agricultura. Ele se torna estranho, já que uma classe com seu trabalho produz o alimento para as cinco sociedades ultrassociais, em especial a humana.
Ao não existir agricultura na natureza, para realizá-la há a necessidade de elaborar relações com outras espécies de seres vivos, domesticá-los, alimentá-los para obter a produção dos alimentos. As simbioses de cupins e formigas com fungos criados e compostos elaborados e fermentados controlam a qualidade de seus alimentos, igual que nas transformações feita com enzimas pelas abelhas melíferas. Fatos que tornam fácil entender o valor do substantivo absoluto do termo “Agricultura” e sua dimensão[1]
[1] A agricultura, palavra de origem latina “agri” referente a campo e “cultura” com respeito a cultivar, um ato social inerente a homens e mulheres, que tem modificado sua práxis e paradigmas ao longo da história dependendo das condições climáticas, geográficas, topográficas, econômicas, sócio-políticas e culturais, respondendo aos diferentes modelos estruturais segundo o contexto. Pelo anterior, seria impossível que exista uma versão única de desenvolvimento da agricultura e, ao contrário, a sua hegemonia passa a ser violência estrutural sem que percebamos suas raízes originais pelos interesses do poder, e isso, vem se consolidando dia a dia com maior ênfase.
A impropriedade do neologismo agronegócios, nos leva a analisar o quadro acima, onde há referência à indústria de alimentos, mas não há uma indústria de alimentos no sentido de sua criação a partir de matérias primas, ou insumos, pois o processo foi é, e continuará sendo natural, logo não é indústria, pois não sintetiza ou cria o alimento, apenas o transforma, com modificações para sua conservação e apresentação.
O processo de síntese do alimento é feito pela mesma classe trabalhadora das cinco sociedades ultrassociais, em especial a humana. O correto seria chamar a “indústria” de alimentos apenas de “manufatora” de alimentos. Pelo que no próprio quadro acima consta na sua parte inferior um alerta que exclui os agricultores de subsistência e caçadores-coletores, pois não são seus escopos.
Para que esta análise seja integral é necessário mostrar a diferença entre a produção ultrassocial do alimento e o sistema que está proposto pela manufatora de alimentos processados ou ultra processados.
Pelo marketing industrial, vemos a máxima soberba de apropriação da agricultura, relegando com substituta da função ultrassocial por atividades de um grupo de poucas corporações, que buscam hegemonicamente ganhos e consequente gigantismo, forjando a inexorável dependência da humanidade dela para sobreviver. É a mais cruel forma de dominação jamais vista antes.
Por quase dez mil anos a sabedoria e conhecimento científico atribuiu ao húmus a fecundidade, fertilidade e sistema imunológico dos seres vivos direta e indiretamente dele originados.
O modernismo industrial patrocinou o manifesto futurista de Fillipo Marinetti por razões mercantis, militares e ideológicas no início do Século XX. Ignorar a natureza e desde então acumula uma dívida crescente com a humanidade, praticamente impagável em suas condições.
É nossa pretensão enquadrar os agronegócios, ou melhor, o agro corporativismo, através dos pecados capitais, conhecidos desde as civilizações antigas e adotados por algumas religiões como preceitos doutrinários-pedagógicos de fé. Relacioná-los ao húmus facilita a tarefa, e análise, pois a virtude mais arraigada entre os nativos-camponeses e ainda inerente nos camponeses do mundo vem do húmus, pois todo agricultor antes do surgimento das empresas de Liebig (transformadas na IGF, e seguintes corporações industriais) são humildes e pacíficos. Sua prática de humildade é civilizatória e assim é mundialmente reconhecida.
Húmus é a palavra que, também deu origem a “humano”, base cultural nas formações de civilizações.
A soberba está associada à arrogância e vaidade[1]. A virtude camponesa oposta é a humildade e sua falta leva ao desenvolvimento da soberba, seu vício espelho. A soberba é a melhor forma de caracterizar o "agro~corporativismo totalitário", já que os agronegócios carecem de metabolismo e autopoiese.
Tudo começa com um nome, e o nome “agricultura” é tão perfeito, que o podemos simplificar como um substantivo feminino pleno. Obviamente que este nome é um empecilho para os interesses soberbos para o alcance de tal hegemonia, pela dimensão absoluta de seus valores.
O neologismo agronegócios (agribusiness) é incompleto e contraditório e a “negação ao ócio”, busca demonstrar negação à natureza em sua cooperação com a necessidade ultrassocial na produção de alimentos, que torna necessária uma melhor definição, pelo valor do trabalho, inerente ao ser humano. O correto seria o antagônico, exaltação à participação da corporação, ou agro~corporativismo, mas isso tira a autonomia e expõe a dependência o que provoca repulsa e não é salutar manifestar ou permitir percepção.
Medir o “agro~corporativismo”, através de suas virtudes, embora vícios aos valores civilizatórios, condutores de poder mercantil nos parece a melhor forma de enquadrá-lo em dimensões reais, pela vigência dos valores éticos, morais, espirituais e culturais sobre os interesses mercantis, o que torna um exercício interessante, o enquadramento dos seus vícios e práticas como “pecados capitais”, por serem inversos aos valores da perfeição e evolução social.
Vejamos, então o enquadramento, quanto aos outros pecados capitais:
2. LUXURIA. Na Agricultura como atividade ultrassocial de alimentar à humanidade, não há sua desvinculação ética e moral com as qualidades do alimento, que o camponês produz sem saber quem o vai consumi-lo. Contudo no agronegócios, a preocupação maior e exacerbar os objetivos da modernidade, onde a quantidade produtiva prescinde da qualidade intrínseca do alimento em total alienação, nas responsabilidades com o alimento para a vida, solo e ciclos biogeoquímicos em sua harmonia e equilíbrio para o futuro, o que se tornou exponencial com a OMC, tais características tipificam tal vício em sua evolução. O marketing usa estímulos de individualismo e valores de luxúria como marca do êxito, sucesso e projeções.
3. GULA. Na agricultura como atividade ultrassocial, também, a classe encarregada da produção de alimentos necessita ser harmonizadora de energias para evitar os supérfluos e desperdícios decorrentes da luxuria, que na produção agrícola nunca existiu em função da conservação de energia e sintropia, mas estimulada pela indústria por concorrer com seus produtos substitutos. A cada dia mais e mais o mau manejo dos resíduos da agricultura se transformam em erosão do solo ultrassocial e nos leva a perda de capacidade em fertilidade e armazenamento de água e Carbono Vivo, o que leva aos riscos crescentes da mudança climática.
Nos vales dos Três rios (Yaqui, San Miguel e Sonora) em Sonora, no México, berço da Revolução Verde, a gula pelo consumo de fertilizantes, agrotóxicos e água trouxe a depleção do Carbono no solo, concomitante com o consumo crescente dos insumos e irrigação para a manutenção dos rendimentos, o que se exponencia na atualidade da agro corporação. O consumo de Matéria Orgânica do Solo e depleção da água camponesa são os indicativos mais fidedignos da gula do agro~corporativismo.
4. AVAREZA, é o superlativo de um vício que não tem espaço na atividade ultrassocial, o individualismo, antagônico à cooperação e solidariedade, patrimônios sociais devido à divisão ultrassocial do trabalho, pois na comunalidade ou convivência total a soma das partes nunca chega ao todo que o mutirão e organização alcançam.
Os agronegócios são regidos ou gerenciados por corporações de lucro, logo seu calendário é exclusivamente mercantil independe de clima, solo, estação, nem respeita a sociedade, pois deve crescer em toda e qualquer situação, daí que o individualismo é exacerbado ao extremo, em uma competição personalista, com hierarquia vertical sem qualquer ramificação que não seja dependente. Daí a necessidade da agro corporação de superar suas dificuldades pelo isolamento através do crescimento exponencial para superar a extração de más valia pelas corporações do valor da natureza, trabalho e riqueza de todos, perdido com a substituição das hierarquias horizontais, femininas e espirituais típicas na agricultura familiar, comunal ou assentamentos da reforma agraria, (nativas em escalada de destruição por subversiva aos interesses mercantis das corporações). O dano maior é a degradação dos suportes naturais de produção no Agro~corporativismo pela gestão avara e principalmente pela demanda crescente de terras para cumprir os desígnios da agro corporação. Daí toda a propaganda da máquina pública e meios de comunicação, educação, e religião…
5. IRA, o camponês como a expressão máxima da humildade pela conservação de energia depende dos fenômenos da natureza para produzir um alimento que seja suficiente para outros, mas isso não depende dele e sim da natureza, o que o obriga a ser holístico em contraponto ao reducionismo do agro~corporativismo. A agricultura não existe na natureza e ele tem delegada a missão de alimentar a todos, logo não é uma ação individual ou prepotente que possa ser realizada sem amor ao próximo. Além da humildade necessita o camponês necessita ser paciente, o que é contrário da ira.
Na agro corporação há uma cadeia de investimentos financeiros que independem da aleatoriedade da natureza artificialmente. Necessitam de rendimentos econômicos financeiros sempre e não pode haver perdas. Um mecanismo para extravasar é a cólera. Esse vício é instrumentalizado pelas corporações e governos servis com políticas públicas, extensão, educação, pesquisas e doutrinas em sua sustentação e aceitação inconsciente.
Seu produto principal é a necessidade de destruir a identidade ultrassocial camponesa. A ira/cólera é um dos responsáveis pela maior parte dos conflitos humanos no transcorrer da história, materializada em intolerância, violência, insegurança e ódio disseminados de forma sistemática pela ciência, governos e impérios.
6. INVEJA, é o desejo exagerado por posses, status, habilidades e tudo que o outro tem ou realiza. Este vicio é o mais facilmente explorado corporativamente, pois usa a ignorância e alienação como propulsor de seus anseios. O exemplo mais tocante é a carência total de direitos à educação, saúde e cidadania pelos poderosos, que não reconhecem o patrimônio natural, público ou respeitam o próximo em seus direitos e deveres, nem se fazem respeitar quando governo ou autoridades. A ignorância e violência são aceleradores do agro corporativismo, sua identidade oculta.
7. PREGUIÇA, não é permitida nas sociedades ultrassociais, nem precisa explicações, pois este pecado capital é caracterizado como alguém que vive em estado de falta de capricho, de esmero, de empenho, em negligência, desleixo, morosidade, lentidão e moleza, de causa orgânica ou psíquica, que a leva a uma inatividade acentuada. Sua virtude oposta é a diligência, que é a responsabilidade ética e moral de alimentar a humanidade na indústria de alimentos genuína e não mera manufatora.
Epílogo:
É triste vermos nos EUA onde toda a agricultura ultrassocial foi substituída pelo agronegócios, os choques violentos e mortes por interesses hegemônicos (raciais, religiosos, mercantis e climáticos) ao perceberem que, sua decadência econômica está ligada à destruição dos vínculos ultrassociais e sua guerra civil está em curso acelerado. O mais triste é ver os outrora felizes povos camponeses vizinhos levados à destruição pelas violências das perdas de virtudes ultrassociais por influência exógena, principalmente no Brasil.
No espectro daquele jovem médico recém formado, oriundo do quarto país não-industrial, contudo mais rico naquele momento percebo, o leve sorriso irônico, ao ver o que ocorre nos EUA...
[2] A soberba consiste em ser superior a todos. Isso fez com que Lúcifer se sentisse mais alto que o próprio Deus. Segundo o teólogo São Tomás de Aquino, a vaidade era um pecado tão grande que deveria ser tratado em separado dos demais pecados capitais, merecendo atenção especial. A Igreja Católica, no entanto, decidiu manter a vaidade incorporada à soberba, acreditando que neles havia um mesmo componente de vanglória, o que levaria ao seu estudo e ao seu tratamento conjunto.
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