Sebastião Pinheiro*
"...em nome de nossa cidadania, devemos ensinar tudo a todos..."
"...em nome de nossa cidadania, devemos ensinar tudo a todos..."
Quando deixei de
engatinhar nos caminhos da universidade e identificar as diferenças entre
professores além da ideologia e comportamento social percebi o porquê do título
de “PhD (Doutor em Filosofia” das universidades norte-americanas e suas
diferenças dos similares da Grã Bretanha e União Européia de tradição mais
antiga onde o saber segundo a Deutsche Wikipédia designa o Doctor Rerum
Naturalium (Dr. rer. nat.) mostra que somente em três ramos: Teologia, Direito
(canônico ou civil) e Medicina era possível essa graduação. O que foi
pioneiramente modificado na Prússia pelas necessidades da Sociedade Industrial
para a fase de Sociedade Moderna onde foram incluídas também as “Artes” a
partir de 1810 durante as guerras napoleônicas. Pelo que muitas definições alemãs
passaram a usar a expressão: ... é a “ciência e a arte” sobre... logo
traduzidas e disseminadas por diversos países periféricos.
Filosofia vem do
grego e significa “amor ao saber”, sentimento óbvio acima do poder. Obviamente
que no momento em que o poder religioso determina que somente Teologia, Direito
e Medicina podem levar ao grau máximo de estudo deixando de fora ou submetendo
a hierarquia da Filosofia à Teologia decana no triunvirato anterior, fica
tácita a hierarquia inferior da Filosofia e sua submissão ao “poder” (há quem
goste do termo sistematização), neste então sob a égide a Igreja Católica. A
Reforma de Lutero principalmente na Educação abriu uma cisão bem mais poderosa
que a centralização teológica e sua influência fez que somente trezentos anos
depois a Prússia englobasse a graduação artística (civil e militar) no âmbito
universitário, embora fora dos “cânones” da Universidade pela estrutura milenar
provinda daquela sabedoria grega anterior à Alexandre, e depois Roma.
Aprendi a ler
encíclicas por continuar engatinhando nos meandros do saber e me obrigo a
conhecê-las ex – officio laico. Por exemplo, somente após ler Rerum Novarum de
Leão XIII é que entendi o “Manifesto de Marx”; Depois Mater et Magistra de João
XXIII entendi a profundidade da Guerra Fria, principalmente as transformações
dos direitos sociais de ambos lados; Populorum progressio de Paulo VI sobre o
desequilíbrio entre os países e sociedades me fez posicionar sobre os danos da
“Revolução Verde”; Humanae vitae (bula Humanae salutae – C. Vaticano II e
Conferência de Bispos em Medellín) fez entender o significado do
neo-maltusianismo da Revolução Verde e a preocupação do Império Anglo-Americano
com a proliferação da pobreza ideologizada, consubstanciado pelo livro “La
Bomba Poblacional” do casal P. R. Ehrlich “produzido” 7 anos depois e as
manipulações do Clube de Roma e reações da “Teologia da Libertação” em ação na
América Latina.
Da prolífica
produção do longevo mandato de João Paulo II escolhemos apenas a Centesimus
Annus, que aborda o centenário da Rerum Novarum e permite atualizar e corrigir
o que havíamos então aprendido.
Desde o
internamento no Colégio Agrícola em 1965 estou sob a influência ambiental, pois
a agricultura antes de ser o conhecimento escolar, tecnológico ou profissional
(de interesse de governo e mercado) é herança atávica, memória e sabedoria de
antepassados, e é assim que recebo “Laudato sii” do Papa Francisco.
O exigente maestro
Gumercindo León, do Instituto Tierra Prieta, de Tepetlixpla, E. do México
perguntou: “Já leu”, embora ela tivesse saído apenas à 24 horas... Fui ler. É
leitura para repetir três vezes.., mas a ansiedade me obriga responder após a
primeira.
Para quem não sabe
o jesuíta Francisco é Doutor na “arte” da Bioquímica pela Universidade de Buenos
Aires e contemporâneo e aluno da equipe de B. Houssay, F. Leloir e outros com o
mesmo nível, mas que não foram laureados com o Prêmio Nobel de Medicina e
Bioquímica respectivamente.
Então estudante
lembro que junto a três colegas em 1970 estávamos esperando uma audiência com o
Bispo de Neuquén Jaime de Nevares (irmão de um general do exército argentino) e
severo opositor à ditadura militar, sobre o nosso estágio naquela Província
pela cátedra de Sociologia Rural para trabalhar com indígenas da etnia Pehuenches
e cruzou um jovem, talvez seminarista excitado com a Teologia da Libertação ou
agente com outras intensões e nos perguntou: “Ustedes son seminaristas”. Ao que
eu na maneira carioca de ser respondi sorrindo: “Gracias al Buen Dios, No”. Fui
reprimido, posteriormente, pelos dois colegas e xavecado durante toda a viagem
de retorno à La Plata e passei por herege e estúpido entre os colegas de
classe.
Há muito Pehuén
(Araucária araucana) semeado por mim na Comunidade de Santa Terezita
contrariando os colegas que somente queriam semear tomates, lentejas, fava e
alface. Todos os pinhões receberam a benção e a batida do Kultrun antes de ir
par a terra. Ainda lembro as crianças, que ficavam muito contentes quando
caçava em uma noite de dez até trinta lebres patagônicas no começo recusado,
mas depois degustadas por todos.
“Laudato sii”
permitiu rejuvenescer e voltar no tempo. Para mim está no mesmo nível de Rerum
Novarum e Humanae vitae, que infelizmente as forças políticas sufocadas não
puderam aplicar.
Para quem continua
investigando a agricultura além da produção em quantidade (Revolução Verde I)
ou qualidade (Revolução Verde II e III) o texto é um linimento filosófico
extraído de todas as reuniões episcopais sobre o tema, que desde 1972 é
prioridade diplomática multilateral das Nações Unidas com Conferencias em
Estocolmo (1972), Rio (1992) e que nos últimos 20 anos enfoca a Mudança
Climática e já foi premiada com o Prêmio Nobel da Paz. O alerta para o risco do
umbral irreversível, que alguns banqueiros europeus, chineses e outros teimam
ignorar soa intermitentemente.
O convívio com
camponeses mexicanos de diferentes etnias permitiu-me um grau de discernimento
intelectual aguçado e ver o âmago das encíclicas: “O que se deve “saber” com
antecedência para “fazer” o predicado com êxito elidindo todas as armadilhas do
poder, único gerador da turbulência e perdedor quando for o momento...
O Chefe do Setor de
Fertilidade do Solo da União Européia fez uma apresentação para banqueiros na
Alemanha, onde demonstrou que aumentando o Carbono, Nitrogênio, Enxofre no Solo
os riscos são amenizados, pois o solo agrícola da Alemanha tem capacidade de
absorver & amp; armazenar toda a poluição industrial de 27 anos. Contudo vem
perdendo sua capacidade de armazenamento embora a reversão seja fácil e barata,
mas não gera os negócios e interesses em serviços, tecnologia e relações
estrangeiras dos CEO das empresas alemãs como, por exemplo, investir em
eucalipto que destrói o Carbono, Nitrogênio, Enxofre e Água no Solo. A ação das
entidades ambientalistas está em todas as entrelinhas traçada por sua
Santidade.
Vou ruminar a
releitura da Laudato Sii para alcançar além da filosofia nela contida, também a
atmosfera e espiritualidade da batida do tambor (kultrun) para uma semente que
vai ser lançada ao húmus e transforma-se e entender a “vida na nossa casa” e a
necessidade estar consciente de nossa dependência ultrassocial da saúde do
solo, saúde da água e saúde do ar.
Agradecendo muitos
aqueles pioneiros desde a antiguidade aos irreverentes ao poder (no meu olhar):
Obispo de Chiapas Samuel Ruiz Garcia; Pintor Francisco Toledo de Oaxaca; Obispo
Oscár Romero de El Salvador; Bispo Adriano Hipólito de Nova Iguaçu; Arcebispo
Hélder Câmara, Dom Tomás Balduíno e Bispo Luís Cappio e seus pares laicos como Augusto
Carneiro, José Lutzenberger, Francisco Ancelmo Gomes de Barros, que se imolou
deixando sua indignação: “Esta vai ser a única forma de acordar este povo”.
O ato de Francelmo
poderia ser evitado com a leitura e estudo pelos poderosos de “Laudato sii”,
pois as alternativas precisam ir muito além dos títulos universitários e
mandatos carregados de prepotência e arrogância pela liturgia do poder, mas
vazios de espiritualidade ao não harmonizar os ritmos da energia do
conhecimento, sabedoria e natureza.
A tradução do poema
de Neruda ao guarani (foto acima) ensina como a Pelota asteca/maia está próxima do
Palín e Kultrun mapuche uma forma de compreender a energia contida na vibração
“Laudato sii domini” – Dominum vobiscum ditas por mais de mil formas e línguas diferentes
cotidianamente.
*Engenheiro Agrônomo e Florestal, ambientalista e escritor. (publicação original em sua página do facebook)