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"Harmonizo meus pensamentos para criar com a visão". "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível".

sábado, 26 de junho de 2021

Ficção futura

15 de junho

Por Sebastião Pinheiro

Teruo Yabu, foi o único dos 781 imigrantes não casado (adulto) que desceu do Kasato Maru no porto de Santos em 1908 depois de 51 dias navegando desde Kobe, a antiga capital. Na verdade, no Japão pensavam que ele era membro da família de Yoshio Katana, que tinha o contrato com a Fazenda Dumont. O filho de Katana San morreu em combate na guerra russo japonesa, era amigo e confidente de Teruo, que trouxe a notícia e se ofereceu para substitui-lo, para não quebrar o contrato.

Além do mais, ele sozinho não conseguiria ir, pois a Dieta não permitia jovens solteiros deixar o país sozinhos a não ser com toda a família. A Dieta não queria perder o potencial da mão-de-obra, apenas se livrar do grande número de familiares improdutivos, que aumentavam seus custos, e, também, as desigualdades sociais fruto do processo de industrialização acelerada para tornar o Japão uma potência industrial moderna.

(Fotos: Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil)

Adaptar-se à situação nas fazendas de café era comparado com um inferno de escravidão ou campo de concentração, mas para Teruo, isso foi um período de “férias”. Sim, férias, pois ele mentira sua idade para se alistar na Marinha imperial e servir durante toda a guerra, aí sim um inferno sob as ordens do almirante Oku Yakusaka na guerra russo-japonesa (1904-1905).

Ele foi pioneiro na batalha de Port Arthur na Manchúria a bordo do encouraçado Mikasa construído nos Estaleiros Vickers na Inglaterra. Ele pertencia a elite da infantaria naval e lutou não só no cerco, mas em terra firme em território coreano e chinês na Manchúria e o pior é que retornou ao Japão, no último navio a após a vitória e não participou das festas da vitória.

Igual a todos os outros imigrantes foi alojado nas antigas senzalas de escravos, nas mesmas condições daqueles, sem sanitários, sem luz, sem higiene. Ele entendeu que a guerra era igual, apenas com surpresas letais, mas o medo ali era constante pela desconfiança. Sua experiência permitiu perceber o que era o Planalto Piratininga e já no final do primeiro ano percebeu que podia ganhar mais dinheiro e comprar a sua terra, fora da condição de empregado servil de barões do café ou plantando algodão, amendoim, feijão e batatinha…

O contrato com os barões do café era absurdo, tinham de comprar os alimentos do barracão, e não tinha direito de cultivar um pedacinho de terra para ter sua provisão. Optou como todos os outros a colher e comer ervas daninhas, frutos da mata que nasciam selvagens no meio do cafezal, caçar animais selvagens, até pássaros e pescar nos arroios, pelo exorbitante dos preços dos alimentos nos “barracões”, todos perceberam que iam ficar sempre devendo 30 a 60 dias de comida antes de receber seu salário, em servidão do Shogunato.

Os cafezais onde eles tinham de colher e cuidar eram velhos e não rendiam boa colheita, e por mais que trabalhasse não rendia para pagar a comida. Os barões paulistas haviam trocado os escravos africanos por japoneses e parecia que o governo japonês ignorava isso, e eles se transformavam em contrapartida para compensar o alto preço do café vital à Dieta na economia nacional japonesa.

Os imigrantes além de viver em senzalas eram vigiados diuturnamente por jagunços armados, os velhos “capitães de mato” caçadores de quilombolas. Foi líder no abandono da fazenda Dumont e arrastou todos os outros imigrantes. Ninguém ficou na Fazenda.

Sabia um pouco de chinês e coreano, além de bastante russo, pelo período de guerra, que facilitou ele aprender o português e entender a cultura dos brasileiros, sempre que podia ia a São Paulo para encontrar japoneses e conversar.

Com suas economias e com a experiência de guerra procurou conviver com os brasileiros e aprender bem o idioma e conhecer o brasileiro pobre, cuja situação não era diferente do japonês em mesma situação.

Em São Paulo, uma cidade riquíssima, Teruo se transformou no primeiro peixeiro japonês que ia de porta em porta gritando peixe e tinha um convívio com os brasileiros e passou observar que a ignorância, preguiça e desorganização eram identidades superpostas cultivadas pela elite. A guerra lhe havia eliminado qualquer vontade de entender as pessoas, pelo que nada o importunava ou alterava, como o pregado pelo xintoísmo.

Próspero com sua peixaria, que o obrigava a ir uma vez na semana ao litoral de Santos buscar peixe e suas ligações com a Colônia o tornaram o grande fornecedor de alimentos frescos hortaliças e frutas e a organizar arrendamento de terras para os agricultores que passaram a ser seus meeiros com pagamento em produção.

Uma nova experiência na sua meia de parceria, veio com o comercio de batatinha, que ensinou a ele os riscos da agricultura e porque não havia produção de hortaliças na cidade, a não ser alguns portugueses, pois o descontrole na produção fazia o preço cair e todos perderem muito dinheiro por incompetência do Estado.

A solução para eles era a mesma do Imperador Meiji, que fizera a Reforma Agrária cinquenta anos antes. Ele começou a organizar a compra de terras para fazer colônias de imigrantes e assim todos estariam em sua reforma agrária pagando o valor investido na terra e isso era muito rentável para ambas as partes, como o preceito xintoísta.

O Consul japonês gostou da ideia, e um banco japonês garantiu o crédito, para compra da primeira gleba a ser loteada a Colonização na Associação (Shokunminchi) de Monções ao longo da Estrada de Ferro construída pelo engenheiro ferroviário polonês Brodowski nas proximidades de Cerqueira Cesar/SP.

Com o lucro entrou no mercado público de São Paulo e criou o maior armazém de secos e molhados no bairro da Liberdade, com filiais em Monções e outras três colônias o shokunminchi em Aliança, Bastos, Suzano. A estabilidade e o alto preço das especiarias cravo, canela e pimenta preta o fez entender que havia uma grande vantagem, bem diferente da batatinha que quando se produzia muito significava fome pela falta de estrutura de preços no governo.

Com um grupo de imigrantes japoneses Teruo, agora "Yabu San" fez o Consul promover cursos sobre cooperativas de crédito, produção, e transformação, que casualmente foi fundada em Cotia e logo instalou-se em São Paulo. Ela era quase que exclusivamente de japoneses, pois os “gaijins” eram vistos como preguiçosos, violentos e mal-intencionados pois davam a vida por dinheiro e não pela honra. A cooperativa teve problemas, pois o governo temia seu fortalecimento, mas o consulado e os japoneses do bairro liberdade deram o apoio encoberto para superação dos problemas e ela recuperou-se.

Em comemoração do aniversário do Imperador Hiroito no Clube de Regatas Tiete ele fez a autoridade consular pensar em uma frente de colonização para o plantio de pimenta do reino para o mercado japonês, pois os holandeses na Indonésia, franceses em Madagascar e ingleses na Malásia estavam dominando todos os mercados e monopolizando o mercado com prejuízos para o Japão no mercado chinês. O Consul depois de quarto brinde com saquê, aceitou e comprometeu-se a conseguir os créditos nos bancos japoneses e Dieta para o apoio científico e a estratégia empregada: “Teno Heika Banzai”.


Discretamente uma expedição científica visitou vários ambientes amazônicos, sem que ninguém desconfiassem dos interesses dos cientistas. Secretamente neles foram feitos testes e observadas uma plantas nativa da Amazônia da mesma família e gênero, uma prima-irmã da pimenta de domínio dos indígenas que a denominam de caapeba ou pariparoba (Piper umbelatum) de uso medicinal e alimentício.

A área escolhida foi a Fazenda Bela Vista, de Agapito Joaquim de Cristo na foz do Igarapé Tomé-Acú e comprada pela empresa colonizadora, para disfarçar o interesse nipônico. E quase 200 agricultores em 42 famílias chegaram em 1926, quatorze anos depois da chegada de Teruo Yabu no Kasato Maru.

Teruo Yabu, antecipou-se e registrou sua empresa de importação de pimenta do reino no consulado japonês, sua sede seria em Edo, que agora era conhecida como Tóquio e nova capital do Japão. Em São Paulo criou sua empresa de exportação de pimenta do Reino e a registrou através de um despachante na Associação Comercial de São Paulo, sem causar qualquer alarde.

Ele mesmo comprou uma fazenda em Quatro Bocas a menos de 30 km da Fazenda Bela Vista, agora transformada na Companhia Japonesa de Plantações Tropicais, uma área com 20 mil alqueires, onde havia Índios Tembé, comprou sem sair de São Paulo.

Os primeiros novos colonizadores chegaram em 1926. Muito hábil Teruo, ou "Yabu San" havia selecionado oito líderes ousados nas colônias de Aliança, Bastos, e Monte Alto todos com igual tempo de Brasil para a nova colonização. Eles entenderam o grito “Tenno Heika Banzai” e curvaram suas cabeças e estavam prontos para em menos de uma semana entrarem em um vapor em Santos rumo a Belém, e continuar em uma Gaiola pelo rio Tocantins até o Moju e de ali rumar em direção a Paragominas a cavalo.

O consulado entregara a Teruo 3 livros sobre o cultivo, tratamento e Comércio das variedades de pimenta que interessavam ao Japão. O Consul em despedida avisou que a tensão no mundo crescia e uma crise ia explodir no comercio de café com os EUA e mundo, que ele devia estar alerta. Em 1927 Teruo começou a vender seus negócios e transformar em ouro comprado de garimpeiros de Registro e 7 Barras e enviar para capitalizar sua empresa no Japão.

No final do ano São Paulo era apenas a sede da Exportadora, pois já morava em Belém do Pará para iniciar nas terras que havia comprado em Quatro Bocas, ao pouca distância das terras da colonização japonesa em Tomé-Açú.

As primeiras cinco colheitas foram exportadas como mala diplomática desde Santos. O Consul em São Paulo agora era o embaixador e vivia no Rio de Janeiro…

Quando havia mais de cinco mil hectares plantados em meio a Selva Amazônica e os laços comerciais estavam sólidos foi inventada uma história de uma parada de um navio com imigrantes na colônia inglesa de Cingapura, grande produtora de pimenta do reino. A parada emergencial foi para deixar o corpo de uma migrante que falecera. Um álibi perfeito caso os ingleses vissem no futuro com seus questionamentos jurídicos, navais e imperiais.

A colheita do “ouro negro” na Amazônia já era irreversível, quando o mundo abriu os olhos, Tomé-Açu passou a ser a nova Meca da especiaria em menos de dez anos já seria o maior produtor do mundo.

A Ficção futura, é fácil, apenas projeção tecnológica sobre o humano. A ficção no passado requer precisão complexa do que pode ter acontecido e nunca saberemos. Carpe Diem.

 

 

quinta-feira, 10 de junho de 2021

BOMBA DE CHIMARRÃO

05 de junho

Por Sebastião Pinheiro

A foto acima diz tudo. A usamos para continuar o postado ontem (“Regulação Biótica do Meio Ambiente, 04 de junho”, post anterior neste blogue). O exemplo é pedagógico. Um governo heteronômico determina que a mineração anacrônica de carvão seja imposta e obriga a Secretaria encarregada da Educação Ambiental fazer publicidade e propaganda de mineração em área de agroecologia, com conteúdo cultural. A agência usa o salutar hábito do chimarrão.

A ignorância industrial servil não sabe que, guaranis e mapuches usam bombilhas de vegetais, ossos e marfim, para evitar que o sistema nervoso com os metais das bombilhas aumentam a polarização nos alcaloides da infusão com descargas elétricas no cérebro. O que é conhecido desde as Missões Jesuíticas. É bem anterior ao fato de os orientais não colocarem talheres metálicos à boca na alimentação.

Isso merece um análise. Guitta Pessis-Pasternak em seu livro “Do Caos à Inteligência Artificial” diz: Segundo Jacques Attali, o poder também é caracterizado por sua capacidade de gerar a violência, cujas duas dimensões essenciais são o lugar onde ela se localiza e o momento em que se realiza; ele deduz daí que todo processo que mede o tempo contém violência e reflete as nossas liberações e submissões respectivas.., a cada grande alteração do poder, mudam também a medida e a concepção do tempo: o relógio solar, a clepsidra, o relógio de quartzo são signos anunciadores das profundas rupturas da ordem social… são índices excepcionais das sociedades às quais dão o ritmo, pois a própria noção de poder é indissociável do controle do tempo alheio, e portanto do próprio humano.

… se as três ordens que marcaram a história – a ritual, a imperial e a comercial, fundando a manutenção da ordem sobre o mito, a força e a mercadoria – atingem seu fim, que nova ordem permitiria conjurar a violência atual? , é que a ordem mercantil se dissolve hoje, e que a ordem em gestação na crise atual (1990) é a ordem dos “códigos”, onde tudo corre o risco de se tornar objeto biológico industrial, inclusive o comportamento humano e ele próprio produzido e consumido como uma mercadoria.”

Com este introito retrocedemos à 2000 para decodificar V. Gorshkov, V. Gorshkov e A. Makarieva em “Biotic Regulation of the Enviroment, Key Issue of Global Change” que possui uma defasagem de uma década, quase nada pela queda do Muro/Fim da URSS.

A “regulação biótica” na natureza através dos tempos necessita ser enquadrada tanto nas ordens, quanto na respectiva violência/poder: ritual (mito); imperial (força) e comercial (mercadoria).

Se hoje EUA, China e UE controlam a violência dos códigos sobre o Planeta, na América Latina e África seus interesses e tentáculos continuam atuando na ritual e imperial com as respectivas violências mítica e força o que torna fácil entender a heteronomia do poder local e o valor mercantil da natureza, inclusive humana como mercadoria que pode ser como tal destruída.

Fazer a leitura de população de genes integrados em comunidades complexas como regulador e válvula de segurança para as estruturas harmoniosas da natureza (Planeta), contudo, agora mero meio ambiente absorvedor de aplicações financeiras altamente rentáveis através de serviços de Terceiro Setor, pouco muda desde as Companhias das Índias, para o território, geografia e economia das sociedades locais.

Não deveria ser assim. Alguns exemplos esclarecem:

a)    O uso de bactérias (Bacillus turingiensis) no controle a pragas agrícolas na Alemanha no início do Século XX descoberta por Ernst Berliner em 1911 e amplamente usada na França após a primeira Guerra Mundial;

b)    O uso de Biofertilizantes feitos com esterco de herbívoros no final do Século XIX comercializado como “Alinit”® por Bayer até a República de Weimar; e

c)     Os Bacullovirus no sul do Brasil na década de 1970 e 1980 estavam fora dos órgãos oficiais de governo, educação e ciência do país.

Os três exemplos demonstram o “biopoder camponês”, que não necessita da leitura ou subordinação à ciência sobre ordem, tempo, violência e poder. O que ocorreu é que ela se torna privilégio corporativo subsidiado pelo povo, sem servi-lo de forma cidadã.

Algo impregna as entrelinhas de “Biotic Regulation of the Enviroment, Key Issue of Global Change”, escritos por 3 físicos. É a ciencia visionária e genial de Nicolai Vavílov o grande botânico de plantas domesticadas, que como agrônomo-cientista excursionou pelo mundo coletando sementes domesticadas para seu Instituto em (São Petersburgo, Leningrado, São Petersburgo) no início do Século XX.

Vavilov transplanta o conceito de “variabilidade das plantas (domésticas), além do descrito por Darwin e De Candolle, para a natureza. Nossas principais safras de alimentos foram desenvolvidas ao longo de milênios e se originam de um ponto central a partir do qual se dispersaram com sucesso. Ele hipotetizou que esses “centros de dispersão” eram provavelmente onde a diversidade genética das espécies de cultivo é mais alta.

Nos Centros gênicos ou de origem são regiões geográficas que contêm uma variedade extraordinária de contrapartes selvagens de espécies cultivadas, plantas tropicais úteis ou origens geográficas de gêneros não cultivados. Um retrocesso genético de um traço considerado primitivo em variedades cultivadas é chamado de atavismo.

“Uma planta selvagem tem seu centro de origem no lugar onde tiver a maior presença em seu germoplasma de genes recessivos”. Com certeza V. Gorshkov e A. Makarieva entenderam, bastando transladar para a Natureza o observado para a ação do camponês com seu biopoder, facilitado por algo que Vavilov previu um século antes como erosão genética da biodiversidade na natureza, a partir das plantas domésticas pelo tipo de melhoramento mercantil executado no interesse das agro corporações. E agora se sofre a violência do poder nos meios de comunicação em impor sua ordem, tempos e violências para fortalecer o poder do Complexo Industrial Militar Internacional.

A crise climática permite através do Ciclo da Matéria Orgânica natural ou ultrassocial dependente da biodiversidade microbiana, sua restauração “in situ” no território camponês, “centro de origem”, e em sua terra cultivada como centro de dispersão de esporas para fixação dos Gases do Efeito Estufa e restauração através da autopoiese do Clima no Planeta. Essa é a mensagem do livro que discutimos, no dia do meio ambiente e agora concluímos. Carpe Diem.

 

 

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