24 de dezembro de 2017
por Sebastião Pinheiro*
(rede social)
Hoje faz
cinquenta anos. No dia 17 de dezembro havia deixado a Escola Técnica de
Agricultura onde era um dos melhores alunos, mas não tinha meios para estudar
Agronomia no Brasil, pois era tão pobre que nem minha famílias teria e já havia
tido problemas com a ditadura por ter trabalhado no Depto. Comercial da
Legação da República Popular da Bulgária desde os 14 anos. Isso me perseguiu e tive
que mudar da Escola Técnica de São Manuel. Os riscos eram maiores. Na boa
noite, às 10 horas, embarquei na Estação Ferroviária Julio Prestes de São
Paulo, rumo à Universidade Nacional de La Plata, onde no dia 7 de janeiro, o
curso para se ingressar começou por três meses com as seguintes matérias:
Química , Física, Matemática e Biologia com um exame de cada matéria a cada mês
e a obrigação de aprovar 2 para poder ingressar. Aprovei os 3 entre os dez
melhores alunos e eram mais de 800 candidatos.
Lembro-me como
se fosse agora, meus tios, a quem fui entregado por minha mãe, devo a
oportunidade de estudar na escola pública, o que não aconteceu com meu irmão
criado por minha avó em outro estado. Minha tia fez duas galinhas assadas
recheadas com farinha de mandioca. Essa seria a minha comida durante os sete
dias que a viagem duraria. O bilhete da Segunda Classe em um vagão de madeira
antigo e sujo custou 22 cruzeiros foi para Uruguaiana na Fronteira.
Eu não tinha
dinheiro para a viagem, mas durante 90 dias um agricultor descendente de japoneses,
vizinho da escola que estava com a esposa grávida e ela não podia gradear em um
dos tratores pediu minha ajuda. Eu jantava às 18 h na escola e ia a sua casa e
subia no trator e gradeava o solo para o plantio de algodão até as 6 h da manhã
todos os dias. Às vezes, quando ele estava muito cansado, eu assumia a aração e
depois semeávamos juntos o amendoim, o gergelim e o ramí. Voltava para a escola
e tinha de tomar três banhos para remover toda a lama e poeira do solo
laterítico e ir às aulas, dormia das 12:00 às 13:30 h quando voltava a começar
a aula..
Ganhei 250
cruzeiros, gastei 17 para sacar meu passaporte, o restante havia comprado de
pedras semipreciosas brasileiras por recomendação de um "gambusino"
amigo. As pedras que paguei 1 real cada a ele, no descaminho as revendi-as por
até 800 pesos argentinos (M.N) para joalheiros. Uma mudança por 3 meses de
comida com uma senhora que oferecia comida aos estudantes.
Há muitos que
falam da viagem fantástica no Orient Express, de Vladivostok a Paris. Sou
sincero, minha viagem foi mil vezes melhor, pois eu ia realizar um sonho, havia
escolhido La Plata por ser a única Faculdade argentina onde em seu currículo
havia microbiologia como matéria ensinada.
Por favor, veja o mapa. De São Paulo a Buenos Aires e depois a La Plata,
parando em todas as estações, conheci uma América Latina que pouquíssimas
pessoas tiveram a oportunidade de conhecer. As Araucarias no Paraná; os vales e
plantações em Santa Catalina, cheio de colonos alemães e italianos, depois o
Planalto no Rio Grande do Sul, finalmente a Pampa. Meu companheiro de viagem
era um peão gaúcho (RS) que retornou depois de trazer gado vivo do Sul, bebemos
mate até ele apear em Cacequí. A viagem acabou atravessando a fronteira em 2 de
janeiro de 1968. Na madrugada tomei o Ferrocarril Gral Urquiza, todo em aço
inoxidável, limpo, gente bem vestida. Já fazia dois dias que as galinhas havia acabado.
Meu colega de banco era agora missionário, soldado conscrito na Marinha
argentina e estudante de medicina em Mar del Plata, descendente de alemães. Ele
entendeu o meu alemão melhor que o português. Talvez ele tenha percebido que eu
estava faminto e me deu o lanche que sua mãe havia preparado, uma galinha como
nunca mais comi na minha vida. Pela primeira vez senti um astronauta
contactando a vida.
A paisagem é
algo belíssimo. Correntes, Entre Ríos (El Palmar) e finalmente a Província de
Buenos Aires. Ao chegar à estação Federico Lacroze o soldado levou-me ao Subte
(Metro) e fomos à Estação da Constituição onde subi ao ‘carro de ferro’ para La
Plata. Teria de passar a minha vida dando agradecimentos, porque planejar e
executar são coisas muito diferentes.
Não quero
ofender ninguém, mas eu ir foi a melhor coisa que fiz em minha vida. Lá conheci
algo que poucos no meu país têm uma condição de saber: Alteridade, Altruísmo,
Sentido comum, Liberdade. Vocês não sabem, mas com meus 3 anos de idade, o jogo
dos meus primos de 8 e 9 era marcar a ferro como um escravo por ser "seu
preto". Você pensou coisas sobre crianças. Não seja ingênuo, coisas do
Brasil.
Cinquenta anos
depois, se alguém me perguntasse se eu faria isso novamente. Não excitaria nem
um segundo e com minhas caquexias e dores o faria sem piscar.
1968 havia sido
um ano pródigo para mim. Depois se digo, como fui preso pela repressão
argentina em Maio da turbulência em Paris. Eu estava na esquina vendendo meus
jornais, mas eu era jovem e, como tal perigoso. Fui pego e levado para a sede
da polícia nº 9 de La Plata em um ônibus com mais de 60 estudantes. Fui salvo,
pois o policial sempre me pedia para emprestar a La Gaceta para ver o resultado
da quiniela (loteria diária). Ele
gritou com raiva que o brasileiro é meu amigo e canillita (vendedor de jornal).
Ele sabia que eu era estudante. Só me libertarão às 4 da manhã, me livrei de
uma briga. Um tempo antes, no 7º Regimento em La Plata, estudantes peruanos
haviam sofrido o simulacro de fuzilamento como treinamento para o Departamento
de Estado. No dia seguinte, cheguei com meus diários até o ponto e uma senhora
ao lado do quiosque havia recorrido da mesma forma e vendeu quase todos. Fiz a
devolução e eu não tive prejuízos. Argentina era uma Escola ao ar livre de
Cidadania.
Quando o Macri
imita Macron da França e também faz a Reforma da Previdência, como a Grécia e
Portugal e uma dúzia de outros, imposto pelo Banco Mundial, OMC, etc., me fica
a questão de diferentes países, mas a realidade do mundo é o envelhecimento da
população mundial. Não seria mais correto mudar os índices e os valores do
capitalismo mundial, sem remover o valor do trabalho?
50 anos depois,
todos os políticos condenados por corrupção e roubo de dinheiro público são indultados
(libertos) por Mendes/Temer em Ordalla. Ninguém pergunta: Isso foi feito para contar
com a estrutura política e o fluxo de votos do curral eleitoral dos Indigentes
da Cidadania?
É exercício de
poder como Justiça - Advocacia Administrativa? (foto)
Vou passar o
Natal sozinho, mas nunca estive só. Estou velho, mas a memória e a consciência
são vigorosos estimulantes. A memória faz você rejuvenescer. Feliz Natal e
muito obrigado Argentina e México, acredito que estou cumprindo a missão ordenada
em La Plata.
*Eng. Agrônomo e Florestal, Maestro, Escritor...