É quando a ciência Pós-Normal se desenvolve e seus conceitos são refinados por meio de discussões e experiências que as diferentes interpretações surgem, as quais podem surgir tanto em conformidade com as linhas tradicionais, como entre acadêmicos e ativistas, ou entre reformadores e radicais. Por exemplo, a ciência Pós-Normal, da forma como se desenvolveu até hoje é muito mais um insight do que uma teoria. Embora esse insight tenha sido explicado e articulado numa extensão significativa, seus autores reconhecem que isso é apenas um vislumbre parcial diante de uma questão tão complexa. Ela é justificável pela sua utilidade em auxiliar as pessoas a compreender e administrar seus problemas, e na medida que é bem sucedida nesse aspecto, pode-se esperar que seja absorvida pelo senso comum e perca sua saliência. Quando, eventualmente, ninguém espera que a ciência aplicada acarrete todas as conclusões políticas, então a distinção tripla perde o interesse.
Esta concepção da ciência Pós-Normal combina com a localização social de seus autores, operando como indivíduos e divulgando suas ideias por meio da escrita. Outros se estabeleceram com posições acadêmicas e não podem, ao mesmo tempo, difundir e desenvolver a ciência Pós-Normal devido às suas aulas e pesquisas. Eles obviamente tendem a se dedicar aos programas de PHD (doutorado, ou seja, Science and Philosopher Doctor) e a outros aparatos pertinentes ao trabalho universitário. Estaria isso construindo uma ciência Pós-Normal “normal”? Seria esse termo um oxímoro? (ou seja, um paradoxo) Tal tensão entre a profética concepção dos fundadores do movimento e a sacerdotal concepção de seus consolidadores é universal. Inseridos no contexto da ciência Pós-Normal, esperamos torná-la frutífera, empregando os insights desenvolvidos na própria ciência Pós-Normal.
Outra possível linha de erro relaciona-se com as funções políticas da ciência. Isso pode ser visto através da consideração do lugar da ciência aplicada, atualmente uma forma da “ciência normal” dentro do esquema pós-normal. Não acreditamos que os procedimentos possam ou deveriam ser resolvidos somente através de negociações políticas: eles necessariamente exigem uma contribuição científica para sua resolução. Acordos exigem uma harmonização dos valores e uma delimitação das incertezas. Acaso significaria isso que, em última instância, a ciência aplicada deveria se tornar o árbitro?
A ciência poderia ser vista apenas como uma fase inicial de um processo de normalização da dissidência; e suas radicais implicações poderiam ser neutralizadas sem dificuldade. (Agradecemos a Jeff Howard por essa análise). Nossa presente resposta a essa possível contradição é lembrar que, sob as condições pós-normais, a ciência aplicada não é normal no sentido que Kuhn a utiliza. Isto é, ela não é conduzida dentro de esquemas e paradigmas inquestionados e inquestionáveis. Em vez disso, a qualidade de seus produtos, e de fato seus processos, será avaliada conscientemente pelos próprios cientistas, no diálogo com a extensa comunidade de pares. Se essa enriquecida concepção será suficiente para a prevenção de futuros conflitos com a comunidade da ciência Pós-Normal, só o tempo responderá.
Tais problemas são uma amostra do que nós esperamos e pretendemos encontrar no desenvolvimento da ciência Pós-Normal. Sem diálogos e debates entre amigos e críticos, isso não passaria de mera curiosidade. E como seu alcance é tão amplo, ela necessita do maior número possível de pessoas para seu crescimento. Os ensaios desta coleção fornecem uma boa indicação da amplitude das preocupações que são animadas pela ciência Pós-Normal. Esta é a primeira vez que tantos autores foram trazidos para refletirem, juntos, sobre como a ciência Pós-Normal influenciou seus pensamentos, e também sobre como suas próprias experiências enriquecem a própria ciência Pós-Normal. Seus temas nesses ensaios versam sobre teoria política, governança, sistemas de ecologia, filosofia e teoria social. Pretendemos que esta seja apenas a primeira parcela de uma série que vai crescer e dar frutos.
O conteúdo desta edição de Futuros pode ser vista como um marco de conclusão da fase de maturação da ciência Pós-Normal. Nesses primeiros sete anos, ela foi conhecida apenas por poucos; daí então ela foi lançada numa importante conferência em 1990. Seguiu-se uma série de artigos, a maior parte escritos em resposta a convites para conferências ou coleções. Os mais significativos estão alistados abaixo. Sendo mais um insight do que uma teoria, a ciência Pós-Normal permite diferentes aspectos a serem enfatizados de acordo com a situação e com o desenvolvimento do nosso próprio entendimento.
O presente ensaio fornece uma breve, num certo sentido uma elementar introdução a esse insight. Ele foi planejado para expor aos leitores deste jornal que a ideia é ao mesmo tempo razoável e praticável. Como deveríamos reagir diante do fenômeno de que os elementos da ciência Pós-Normal estão sendo percebidos em todos os lugares por todas as espécies de pessoas, sem nenhuma aparente influência sobre nós? Será que isso significa que nosso trabalho já se tornou redundante e que nós estamos somente nos balançando numa onda que está crescendo muito bem sem nós? Essa é uma possível interpretação. A outra é que toda essa independente “descoberta”, ou melhor, essa realização, mostra que esta é uma ideia para a qual o tempo está bastante maduro. Nós acreditamos que nosso insight tem uma estrutura e uma clareza conceitual que capacita a ciência a explicar e a unificar esses vários esforços. Na medida em que ele é útil nesse aspecto, nosso trabalho terá valido a pena.
A mais importante tarefa na articulação da ciência Pós-Normal é localizá-la em seu contexto na teoria social contemporânea da sociedade industrial, o que foi conseguido por Stephen Healy. Focalizado o papel crucial da confiança, ele mostra como as comunidades de pares ampliados são necessárias para o seu cultivo por novos meios. Nesse sentido, ele também revela a ciência Pós-Normal liderando correntes na teoria social de riscos, como avançou notadamente Giddens e Beck. Com seus conceitos de “sub política” (Beck) e com a participação democrática multilingue (Giddens), eles podem ser visto como movendo-se na mesma direção, embora eles não apreciem totalmente o papel das comunidades de pares ampliados e seus fatos também ampliados.
Uma perspectiva complementar foi oferecida por James Kay e seus colegas, que chegaram à ciência Pós-Normal por meio da termodinâmica e dos sistemas de ecologia. O trabalho deles pode ser visto como contribuição a uma visão coerente e apropriada dos mundos social e natural para o crescimento da ciência Pós-Normal. O conceito, trazido por eles, de Sistema Holístico Aberto de Auto-organização fornece suficente enriquecimento na estrutura e ação para incertezas e uma carga de valor para ser compreendida e controlada. Eles também deixam claro por que os sistemas causais lineares não podem possivelmente fornecer uma estrutura conceitual para a gestão bem-sucedida de sistemas complexos. O caminho a seguir está no estilo pós-normal de gestão adaptativa, por meio do qual os cientistas fornecem narrativas em vez de previsões e participam na condição de iguais uns com os outros.
A perspectiva da ciência Pós-Normal é aplicada em problemas contemporâneos por Bruna de Marchi e Ravetz, sob o tema de riscos e governança. Eles têm uma progressão histórica de questões, começando com o acidente de Seveso envolvendo a liberação de dioxina, depois analisando o desastre da BSE e, finalmente, considerando um episódio inicial na batalha sobre os organismos Geneticamente Modificados (GM) na cadeia alimentar. A progressão mostra como os riscos evoluíram e podem agora ser controlados somente pela abordagem da ciência Pós-Normal. Isto porque, no caso dos alimentos GM, os riscos são (até agora) puramente hipotéticos, diante do que os sistemas de incertezas são muito elevados. Mas as consequências de indesejáveis efeitos podem ser tão severas, e a preocupação pública no UK (United Kindom) e Europa em geral tão agudas, que nós temos aqui um caso clássico de decisões de alto nível. As implicações em relação à governança já foram aceitas em algumas importantes situações, e os especialistas oficiais não tiveram outra opção senão dialogar com a abrangente comunidade dos pares.
Uma perspectiva original foi apresentada por Fred Luks: a retórica. Parte do trabalho do diálogo com a comunidade abrangente dos pares está expandindo a linguagem do discurso para além dos tecnicismos da ciência normal. Desenvolvendo seu argumento desde os debates até o campo da economia, Fred Luks mostra como a construção de uma retórica externa é parte integral do empreendimento. A realização disso de uma forma bem feita requer uma consciência reflexiva dos aspectos retóricos da linguagem científica, e uma compreensão sobre os reais limites entre a análise científica e a ação política.
Outra perspectiva teórica é apresentada por Sylvia Tognetti, em sua exploração das relações entre as ideias seminais de Gregory Bateson e os insights da ciência Pós-Normal. Quando Bateson escreveu (a partir da década de 1930), as concepções positivistas da ciência e do conhecimento estavam tão dominantes que ele teve pouca oportunidade de diálogo em relação ao desenvolvimento de suas ideias. Mas ele tinha um tipo de visão da ciência para a qual não havia, até então, um nome satisfatório. Por exemplo, ele viu como a “abdução”, construindo conhecimento com consistência em evidências a partir de múltiplas fontes, é um processo fundamental no pensamento humano. Ele também identificou a “deltero-aprendizagem” (ou seja, o ato de ser consciente do contexto de um tópico original) como algo essencial para a verdadeira compreensão. E, muito próximo do conhecimento sobre a teoria dos sistemas complexos que abordam a pluralidade de perspectivas legítimas, ele expressou a regra de que “duas perspectivas são melhores do que uma”. O mais conhecido conceito de Bateson é o da ligação dupla (determinação do comportamento por considerações que não são mais relevantes); e, dado o reconhecimento da complexidade, das inerentes incertezas e do envolvimento de pesquisadores, poderia muito bem ser dito que, no processo de política, a ciência normal sofre de uma multiplicidade de dupla ligação.
Finalmente, Martin O’Connor nos lembra sobre a absoluta necessidade da inclusão do fator social, do diálogo e também dos elementos poéticos em qualquer prática da ciência. Ele articula um quadro de posturas epistemológicas/éticas, segundo o qual a reconciliação laplaciana (de Laplace), a epistemologia cartesiana (de Descartes) e a ética da dominação contrastam, respectivamente, com a “dialogia, com a complexidade e a hospitalidade". Baseando sua análise no trabalho de Serge Latouche sobre “estar-em-sociedade”, ele fornece um conjunto de entradas no "dicionário filosófico da vida diária". Tudo isso inclui “intersubjetividade”, “pluralismo irredutível”, “um uso irônico do raciocínio axiomático” e “a dialógica natureza do conhecimento social”. Finalmente, desenvolvendo “a ética da hospitalidade”, O’Connor descreve os versos renku japoneses, onde cada poeta adiciona uma linha e convida seu amigo a fazer o mesmo, produzindo um jogo interativo de autonomia e criação. Tudo isso fornece insights para uma reconciliação harmoniosa de diversos pontos de vista, tão essencial para o processo da ciência Pós-Normal.
References
[1] Three types of risk assessment: a methodological analysis, in: C. Whipple, V.T. Covello (Eds.), Risk
Analysis in the Private Sector, Plenum, New York, 1985, pp. 217–232.
[2] Scientific Knowledge and its Social Problems. Oxford University Press, 1971; Transaction, New Brunswick
NJ, 1995, p. 53.
[3] A new scientific methodology for global environmental issues, In: R. Costanza (Ed.), The Ecological
Economics, Columbia University Press, New York, 1991, pp. 137–152.
[4] Three types of risk assessment and the emergence of post-normal science, In: D. Golding, S. Krimsky
(Eds.), Social Theories of Risk, Greenwood Press, New York, 1992, pp. 251–273.
646 J. Ravetz, S. Funtowicz / Futures 31 (1999) 641–646
[5] The emergence of post-normal science, in: R. von Schomberg (Ed.), Science, Politics and Morality,
Kluwer, Dordrecht, 1992, pp. 85–123.
[6] The worth of a songbird: ecological economics as a post-normal science, Ecological Economics 10(3)
(1994) 197–207.
[7] Uncertainty, complexity and post-normal science, Environmental Toxicology and Chemistry 13(12)
(1994) 1881–1885.
[8] Emergent complexity and procedural rationality: post-normal science for sustainability, with M.
O’Connor, S. Faucheux, G. Froger, G. Munda, in: R. Costanza, O. Segura (Eds.), Getting Down to
Earth, Island Press, Washington, DC, 1996, pp. 223–248.
[9] Risk management, post-normal science, and extended-peer communities, in: C. Hood, D.K.C. Jones
(Eds.), Accident and Design, UCL Press, London, 1996, pp. 172–181.
[10] Emergent complexity and ecological economics, with M. O’Connor, in: J. van den Bergh, J. van der
Straaten (Eds.), Economy and Ecosystems in Change, Edward Elgar, Cheltenham, 1997, pp. 75–95.
[11] The passage from entropy to thermodynamic indeterminacy: long-term principles for sustainability,
with Martin O’Connor, in: K. Mayumi, J.M. Gowdy (Eds.), Bioeconomics and Sustainability: Essays
in Honour of Nicholas Georgescu-Roegen, Edward Elgar, Cheltenham, forthcoming.
[12] The good, the true and the post-modern, Futures 1992;24(10):963–974.
[13] Science for the post-normal age, Futures 1993;25(7):735–755.
[14] Emergent complex systems, Futures, 1994;26(6):568–582.
[15] The poetry of thermodynamics, Futures, 1997;29(9):791–810.