Prisão de ventre

 

04 de dezembro

Por Sebastião Pinheiro

Houve um tempo em que ser pobre e humilde não significava ter fome, ser tratado como indigno e forçado à infelicidade. É que não havia cercas ou instilação de ódio religioso ou étnico contra os mais simples.

Eram irmãos diversos, que viviam felizes. Seus nomes eram estranhos, porque eram únicos, mas ninguém perguntou de onde eles vinham, porque não havia santos com eles, o que os tornava ainda mais especiais. O detalhe é que eram todos homens.

... Numa manhã de primavera, antes do nascer do sol, Gadolínio, ao entrar no banho, encontrou a tampa do assento do vazo abaixado, o que não era normal. Quando ele o ergueu, descobriu que alguns dos irmãos deixaram o trabalho sem dar descarga. Quando pacientemente deu descarga três vezes consecutivas, percebeu que não saía, pois a solidez do imóvel “sorullo” era “c´est la“ piece de resistence ”. Com a alça do rolo ele tentou cinzelá-lo, mas era a perfeição plástica da prisão de ventre. Seria obra de quem? Talvez de Túlio, sempre visceral, ou Disprósio, o discreto. Lembrou do submarino atômico soviético "Outubro Vermelho" no filme que vira, poderoso, silencioso, com uma presença incômoda submersa ou em alto-mar.

Ele ia conversar com Samário o irmão predileto, mas percebeu sem cuidados e resolveu pedir ajuda a Praseodímio, que rapidamente procurou um pedaço de bambu no quintal rachado e com um pedaço de madeira para transformá-lo em alicate de pressão. Incrível, ele não se partiu e tinha a forma de um submarino. Ao encontrar com o índio, Benjamin, que irreverentemente o sugeriu colocá-lo em um papel branco na esquina da rua, como oferenda, mas sem flores ou outras vestimentas. Da grade da janela, a madrinha de Itérbio se virou para fazer o sinal da cruz ao ver o monumento intestinal. Não riram por vergonha.

Da escola chegaram julgando Lântano, Cério e Hólmio, quando viram a “obra” começaram a rir e brincar, reunindo pessoas que davam sua opinião sobre o ecossistema, autoria e metabolismo do produtor da obra, até mesmo com certa erudição. Houve quem até recomendasse um jornalista para entrevistas e para a transformação do local em monumento.

O taciturno Lutécio resolveu, devido aos seus dons, escrever um poema sobre o assunto, sem histrionismo, pois queria declamá-lo para os padres, mas foram avisados ​​de que poderiam ser os mesmos autores.

 O irmão Prometeu preparou um banho de acento com muita discrição, para que ninguém soubesse de seu elogio, mas quando ria do monumento posto na esquina, esquivou-se da autoria, com o trabalho difícil da obra, incômodo para ele devido suas varizes mal localizadas.

O mais magnético dos irmãos foi Neodímio, ao saber do assunto sugeriu que era literalmente escatológico, o que fez Térbios correr ao dicionário da Real Academia para entender o significado, já que não estava próximo das letras.

Érbio é o mais mocho deles que não parou de se persignar até ir à igreja confessar que não foi ele.

Ninguém jamais poderia desconfiar de Európio, como causa e culpa pelo alvoroço, porém, era dele próprio, devido a uma dieta incomum: muita banana, arroz cozido em pipían e atum para sobremesa foi o estaleiro biológico do Outubro Vermelho, parte do tratamento do xamã de uma colite terrível.

Os irmãos que carregavam o sobrenome familiar de Fosfato (Phosphate) continuaram no país de servidão militar ignorados como “Terras Raras”, não pela raridade, mas pela impossibilidade de se encontrarem em estado livre. Humildes, alegres e dignos viviam na natureza e com ela.

 Os EE.UU não conseguem entender como os chineses produzem elementos de Terras Raras e têm sua hegemonia no mundo, muito mais perigosa do que o submarino soviético.

É que eles sabem que, quase toda a bomba atômica "menininho" (“Little boy”) lançada sobre Hiroshima foi construída com Monacite e Bastnasita extraídos das areias negras do Espírito Santo pelos mesmos norteamericanos entre 1940 e 1954, como lastro de navios mercantes, uma merda para a humanidade. Pela sua origem é possível dizer que sua capacidade explosiva era inferior a 2% da calculada, e imaginar o que teria acontecido e a quantidade de cobaias humanas quando já sabiam que o Japão estava sem capacidade de reação, provocaram Pearl Harbor.

Eles por sua ignorância, também sofrem prisão de ventre 80 anos depois de serem os pioneiros no uso das monazitas, porém não conheciam os irmãos felizes e a humildade dos seus.