09/5/2011 - 10h20 
por Edson Beú*Quando o viajante sobrevoa o Centro Oeste brasileiro e olha para  baixo, vê um mosaico de poligonais demarcando plantações de soja ou de  outras monoculturas.  Com certo esforço, consegue visualizar minguados  filetes de mata ciliar que emolduram margens de rios e córregos, a  maioria deles assoreados e poluídos.  Acostumado a percorrer a mesma  rota, é provável que a extinção da vegetação nativa não lhe cause grande  — talvez, nenhum — impacto.  Por uma razão muito simples: poucos  estariam aptos a comparar o cenário visto hoje, por meio de uma  janelinha de avião, com aquele de décadas atrás.  O hipotético  passageiro deste artigo sofre de um mal comum a todos nós, que o  cientista Jared Diamond, Prêmio Pulitzer 1998, conceitua de “amnésia de  paisagem” em seu instigante livro Colapso: Como as Sociedades Escolhem o  Fracasso ou o Sucesso (Record, 2006).
A “amnésia de paisagem”, segundo o escritor norte-americano, é um  dos fenômenos, entre 12 classificados por ele, que ajudam a explicar  porque alguns povos não conseguiram evitar o colapso de suas  civilizações, provocado por desequilíbrios ambientais, apesar dos sinais  cada vez mais evidentes nesse sentido.  A expressão criada pelo  biofísico e biogeógrafo significa “esquecer-se de quão diferente era a  paisagem há 50 anos devido às mudanças graduais ano a ano”.  Àqueles que  defendem a redução das áreas de preservação permanente que protegem a  bacia fluvial do país, previstas no Código Florestal, um alerta: o fator desencadeante dos colapsos estudados pelo autor foi a extinção da vegetação nativa.
O conceito da “amnésia de paisagem” permite entender porque  ministros são levados a anunciar, em tom comemorativo, a redução do  ritmo de desmatamento  na Amazônia em relação a algum período imediatamente anterior, mesmo  que isto tenha significado a destruição de milhares de quilômetros  quadrados de florestas.
O alerta feito pelo pesquisador é globalizado e não poupa o próprio  país.  Um dos relatos mais dramáticos de sua obra, porém, refere-se ao  colapso ocorrido na Ilha de Páscoa.  Os desequilíbrios causados pela  derrubada da mata nativa tornaram-na estéril.  Em meio a sangrenta  disputa interna, a escassez de alimentos levou os nativos a comerem  ratos e até restos de cadáveres humanos.  As árvores foram sendo  ceifadas uma a uma ao longo de anos.  Os ancestrais dos atuais  pascoenses não deram a mínima importância ao corte da última palmeira do  território, porque a imagem das florestas já havia sido apagada, lenta e  gradualmente, através dos séculos, da memória das testemunhas da  derradeira machadada.  Ironicamente, as “místicas” e gigantescas  estátuas que tanta admiração causam aos turistas do mundo inteiro, os  moais, erguidos pelos chefes de clãs, são tão somente vestígios trágicos  de uma era  de decadência e atrocidades.
Jared Diamond, contudo, não é derrotista, como indica o subtítulo de  seu livro.  Impedir a extinção de florestas não é um sonho impossível.   Depende de vontade política, exemplo dado pelos japoneses, assustados  com os índices do desmatamento  que atingiu um quarto do território já na primeira metade do Século  16.  Sob as ordens dos xoguns, os japoneses reorientaram até seu padrão  de consumo, com maior inclusão de frutos do mar, por exemplo, com a  finalidade de diminuir a pressão da agricultura sobre a vegetação  nativa.  Administradores fizeram minuciosos inventários das florestas, a  fim de garantir pleno controle de seu uso.  “A mudança veio de cima,  liderada por sucessivos xoguns, que invocaram princípios de Confúcio  para promulgar uma ideologia oficial que encorajava limitar o consumo e  acumular reservas de modo a proteger o  país contra o desastre”, assinala o autor.
Séculos se passaram e os japoneses não se esqueceram da lição.  Desde  há algumas décadas, tornaram-se grandes financistas de projetos  agrícolas nos países do Terceiro Mundo com vasta extensão territorial.  O  objetivo foi o de apenas proteger suas preciosas florestas.  Ou seja, o  Japão solucionou parcialmente seus problemas de escassez de recursos  naturais provocando escassez de recursos naturais em outros pontos do  planeta, estratégia adotada por vários países desenvolvidos.  Enquanto  isso, o Brasil tem agido como aluno míope, incapaz de aprender o beabá  da cartilha ambiental.
* Publicado originalmente no jornal Correio Braziliense e retirado do site Amazônia.org.br.
Fonte: Correio Braziliense
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